segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Sobrevivência Humana: Limites

Paz. Paz absoluta. Felicidade absoluta. A Vida comia a Vida e a Vida amava para que não se extinguisse a Vida – tudo rigorosamente de acordo com a senha divina. Só Adão, o macaco lesado, discrepava, piscando os olhinhos vivos, como a ruminar certa idéia”. (Monteiro Lobato, 1923: 29).

A vida tem limites, por mais extremos que sejam. Eu sempre tive curiosidade sobre como os seres vivos conseguem viver nesses limites. Essa curiosidade me levou a cursar em meu doutoramento a disciplina “Adaptações e Mecanismos Funcionais dos Animais a Ambientes Especiais” da queridíssima professora de fisiologia Rosa Maria Veiga Leonel. Aprendi um pouco sobre a criatividade da evolução por seleção natural em gerar seres que vivem em ambientes impossíveis para nós humanos. Mas, o que significa esse “impossível” da sobrevivência humana?

Toda resposta de sobrevivência humana a um determinado ambiente está dentro de seus limites de adaptabilidade animal. Ao compreendermos o que somos e de onde viemos nos dá mais vantagens ainda para nosso sucesso enquanto espécie biológica.

Somos grandes primatas e nossa terra natal é a África. Nossos corpos foram moldados nas savanas e não são tão diferentes de nossos outros irmãos chimpanzés, gorilas e orangotangos. Só para vocês terem uma idéia disso, em 1699 o cirurgião inglês Edward Tyson realizou a primeira dissecação de um chimpanzé (ele achava que era um orangotango) na Inglaterra. Edward Tyson comparou o espécime com todos os outros macacos que ele conhecia até então e concluiu que o chimpanzé possuía 47 características idênticas a nós humanos e apenas 34 com os outros símios. Alguns filósofos do século XVIII como Jean-Jacques Rousseau chegaram a pensar que os chimpanzés eram capazes de falar e só não faziam isso, porque compreendiam que seriam imediatamente escravizados por nós e postos para trabalhar (ver Nouel-Rénier, 2009: 12-17).

Hoje temos mais evidências ainda através da paleontologia, etologia e biologia molecular: somos um tipo de grande macaco (do inglês "ape") com poucos pêlos!!!


Quais os nossos limites biológicos?

Pessoas normais podem viver em temperaturas que variam de -5 até 50 graus Celsius, desde o nível do mar até altura máxima de 5.800 metros. Esses limites foram quebrados por pessoas especiais como atletas em busca de recordes, mas compreendem as fronteiras de nossa sobrevivência. Não esqueçamos ainda que precisamos de água potável em cada um dos lugares que residirmos.

Para entendermos quem e como somos nós, basta comparar com outros animais. Não somos tão frágeis quanto águas-vivas, pouco menos tão resistentes quanto os tardígrados. Em outras palavras, nosso corpo de mamífero não possui nada de extraordinário. Como no conto de Monteiro Lobato, somos um tipo de macaco bastante ordinário.

Entretanto, nós grandes macacos possuímos grandes cérebros! O correto é escrever “grandes mentes”, já que não é o simples tamanho do cérebro em si, caso contrário a baleia azul estaria digitando uma história diferente desta. Desenvolvemos cultura o que permite ensino e aprendizado extracorpóreo, ou seja, literalmente, para sermos o que somos a educação é tudo!!!

Temos então dois complexos de estruturas, um animal que comporta nossas necessidades biológicas e outro cultural, onde crenças, costumes e tecnologia nos complementam e fazem-nos o que somos: macacos humanos.

Apesar dessa simplicidade, levou tempo para entendermos tudo isso. Estudar o ser humano era tarefa de disciplinas separadas como Antropologia e Arqueologia. O pioneiro em estudos multidisciplinares foi o professor americano Emilio F. Moran que escreveu o clássico “Adaptabilidade Humana – Uma introdução à antropologia ecológica”. Para Moran o estudo das características funcionais e estruturais das populações humanas serve para compreendermos como nós enfrentamos as alterações ambientais e condições de estresse. Nós humanos temos uma plasticidade de respostas socioculturais e fisiológicas. As primeiras compreendem vestimenta, abrigo e várias formas de organização social que ajudam a adequar os ajustes de nossa espécie ao ambiente. As respostas fisiológicas são mais lentas como o aumento de eritrócitos diretamente proporcional à altitude em que se vive (Moran, 1994). Esses condicionamentos socioculturais e fisiológicos não correspondem às mudanças adaptativas no sentido genético da palavra, por isso, são todos reversíveis e modificáveis dentro dos limites humanos de sobrevivência.

Nem tudo são flores, sobretudo quando falamos de nós mesmos. As sociedades mais ricas e tecnologicamente mais avançadas de hoje enfrentam problemas ambientais e econômicos crescentes que não devem ser subestimados, tendo em vista os exemplos de nossa história: as sociedades norte-americanas Anasazi e Cahokia, as civilizações Maias, a Grécia Miceniana e Creta Minóica na Europa, o Grande Zimbábue na África, as cidades asiáticas de Ankor Wat e a ilha de Páscoa no oceano Pacífico. Todas essas civilizações destruídas por colapso sócio-econômico e ambiental, alerta-nos o professor de geografia americano Jared Diamond (2005) para que não tenhamos o mesmo fim.

Quando cursei doutorado, meu professor de Biogeografia, José Maria Cardoso da Silva (Instituto “Conservation International” do Brasil), deixou claro o que significava endemismo. Até então, minha idéia sobre isso era bem tradicional e limitada. Espécies endêmicas são restritas a um ambiente específico em uma dada região da Terra. Por exemplo, o pássaro conhecido como soldadinho-do-Araripe [Antilophia bokermanni (Coelho & Silva, 1998)] só vive exclusivamente na Chapada do Araripe aqui no interior do nordeste (na fronteira Ceará, Pernambuco e Piauí). Já nós humanos falamos a todo peito que somos cosmopolitas, que podemos viver em qualquer continente da Terra. Foi isso que José Maria chamou a atenção ao falar sobre endemismo, “vivemos apenas na Terra”!!! Somos endêmicos deste planeta, nossos corpos foram moldados pela seleção natural para sobrevivermos apenas em limites terrestres. Segundo a fisiologista inglesa Francis Ashcroft (2001: 226) o ser humano só pode sobreviver no espaço se levar seu ambiente consigo.

O que é estranho após esses parágrafos? Para mim é saber que a grande maioria das pessoas não sabe do mínimo disso que está escrito aqui. Se nossa sobrevivência possui limites como a de qualquer outra criatura viva deste planeta... podemos ser extintos por uma perturbação global desses limites! Quanto mais dependemos de tecnologia e adotamos uma vida baseada em mentiras como o dinheiro, mais frágeis ficamos em termos de sobrevivência.

No conto de Monteiro Lobato o desenvolvimento da inteligência do chimpanzé Adão levou o mundo aos extremos da crueldade, da astúcia e da estupidez. Nessa história foi a “chimpanzeização do mundo” por uma dolorosa caravana de macacos nus, em atropelada marcha para o desconhecido.

A sobrevivência humana depende da manutenção de nossos limites biológicos.

Referências
Ashcroft, F., 2001. A vida vida no limite: a ciência da sobrevivência. Editora Jorge Zahar.
Diamond, JM., 2005. Colapso: como as sociedades escolheram o fracasso ou o sucesso. Editora Record.
Lobato, M., [1923] 2008. O Macaco que se fez homem. Editora Globo.
Moran, EF., [1982] 1994. Adaptabilidade humana - Uma introdução à antropologia ecológica. Edusp.
Nouel-Rénier, J., 2009. Foi assim que o homem descobriu que o macaco é nosso primo. Companhia das Letras.

6 comentários:

NáJung disse...

“chimpanzeização do mundo”

Adorei!!
Parabens ,excellente texto!

Waltécio disse...

Eu também amei essa expressão criada por Monteiro Lobato!!!

Obrigado por estar aqui, Fim do Amor!!!

Abraço,

Waltécio

Unknown disse...

A solução é o comunismo.
Para o fim da exploração, quanto ao fim da humanidade, não tem jeito, vai ter um fim, mas antes, bem que poderíamos viver em uma sociedade comunista mesmo. Ia ser legal ver as classes dominantes pagarem.

Waltécio disse...

Se os explorados aqui no Brasil um dia entenderem isso, camarada...

Anônimo disse...

Grandes são os indícios de falência da humanidade. Eu não tenho dúvida de que esta crise que se alastra pelos mercados financeiros do mundo todo é só a ponta de um iceberg bastante profundo, muito mais sério e delicado... no qual há um tipo de gelo insolúvel, a meu ver: a perda da moral humana.
Não bastasse a derrocada dos números monetários como norte até mesmo das relações que não precisam de dinheiro para se estabelecerem, ainda há a crença de que os números podem substituir e até superar as qualidades e potencialidades humanas. Eu tenho sentido nojo. Não desejo ser hipócrita ao afirmar que pressinto um mal estar em cada pequena atitude que falta às pessoas... tenho novamente a impressão sincera de inexistência de relações humanas verdadeiras. Eu talvez esteja chegando à triste conclusão de que não se pode fazer grande coisa por uma humanidade guiada por suas ambições materiais apenas. É um tipo de clareza perigosa esta que tem vindo aos meus sentidos e a todos os pedaços do meu corpo. Uma clareza precoce sobre atitudes e posicionamentos sórdidos, mesquinhos, estúpidos em sua natureza e desdobramentos. Mesmo em ambientes em que se lida com valores mais importantes do que qualquer coisa: auto-estima e solidariedade... a ordem da casa é suprimir o humano em prol dos números, das metas, da opressão da burocracia, de um tipo devastador de existência, que eu precocemente intuo, muito danoso e totalmente fora de cogitação para mim.
A crise que se espalha por todos os lados é angustiante, mas por um lado positivo, já que tudo parece mesmo perdido, abre-se uma liberdade inédita de lançar as idéias e as opiniões ao vento, mesmo que anonimamente. Eu faço isso aqui, semi-anonimamente jogando à brisa a ojeriza que me sequestrou ultimamente. A alergia crescente diante de posturas retardadas e bestas diante de valores nobres... a validade moral, a proximidade entre as pessoas tornou-se um pano de chão de uso coletivo, indissociável...
É plena angústia tudo isso

Anônimo disse...

Não sei porque eu estou tendo problemas para entrar com minha conta:''O FIM DO AMOR''
TU SABES?

 
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