quinta-feira, 8 de abril de 2010

A Classe Média

8 DE MARÇO DE 2010 - 0H47
Frei Betto: radiografia da classe média num país injusto
A população brasileira é, hoje, de 190 milhões de pessoas, divididas em classes segundo o poder aquisitivo. Pertencem às classes A e B as de renda mensal superior a R$ 4.807 – os ricos do Brasil.

Por Frei Betto, no Correio da Cidadania

R$ 4.807 não é salário de dar tranquilidade financeira a ninguém. O aluguel de um apartamento de dois quartos na capital paulista consome metade desse valor. Mas, dentre os ricos, muitos recebem remunerações astronômicas, além de possuírem patrimônio invejável. Nas grandes empresas de São Paulo, o salário mensal de um diretor varia de R$ 40 mil a R$ 60 mil.

Análise recente da Fundação Getúlio Vargas, divulgada em fevereiro último, revela que integram esse segmento privilegiado apenas 10,42% da população, ou seja, 19,4 milhões de pessoas. Elas concentram em mãos 44% da renda nacional. Muita riqueza para pouca gente.

A classe C, conhecida como média, possui renda mensal de R$ 1.115 a R$ 4.807. Tem crescido nos últimos anos, graças à política econômica do governo Lula. Em 2003 abrangia 37,56% da população, num total de 64,1 milhões de brasileiros. Hoje, inclui 91 milhões – quase metade da população do país (49,22%) – que detêm 46% da renda nacional.

Na classe D – os pobres – estão 43 milhões de pessoas, com renda mensal de R$ 768 a R$ 1.115, obrigadas a dividir apenas 8% da riqueza nacional. E na classe E – os miseráveis, com renda até R$ 768/mês – se encontram 29,9 milhões de brasileiros (16,02% da população), condenados a repartir entre si apenas 2% da renda nacional.

Embora a distribuição de renda no Brasil continue escandalosamente desigual, constata-se que o brasileiro, como diria La Fontaine, começa a ser mais formiga que cigarra. Graças às políticas sociais do governo, como Bolsa Família, aposentadorias e crédito consignado, há um nítido aumento de consumo. Porém, falta ao Bolsa Família encontrar, como frisa o economista Marcelo Néri, a porta de entrada no mercado formal de trabalho.

Dos 91 milhões de brasileiros de classe média, 58,87% têm computador em casa; 57,04% frequentam escolas particulares; 46,25% fazem curso superior; 58,47% habitam casa própria. E um dado interessante: o aumento da renda familiar se deve ao ingresso de maior número de mulheres no mercado de trabalho.

Já foi o tempo em que o homem trabalhava (patrimônio) e a mulher cuidava da casa (matrimônio). De 2003 a 2008, os salários das mulheres cresceram 37%. O dos homens, 24,6%, embora eles continuem a ser melhor remunerados do que elas.

Segundo a Fundação Getúlio Vargas, o governo Lula tirou da pobreza 19,3 milhões de brasileiros e alavancou outros 32 milhões para degraus superiores da escala social, inserindo-os nas classes A, B e C. Desde 2003, foram criados 8,5 milhões de novos empregos formais. É verdade que, a maioria, de baixa remuneração.

No início dos anos 90, de nossas crianças de 7 a 14 anos, 15% estavam fora da escola. Hoje, são menos de 2,5%. O aumento da escolaridade facilita a inserção no mercado de trabalho, apesar de o Brasil padecer de ensino público de má qualidade e particular de alto custo.

Quanto à educação, estão insatisfeitas com a sua qualidade 40% das pessoas com curso superior; 59% daquelas com ensino médio; 63% das com ensino fundamental; e 69% dos semi-escolarizados (cf.
A Classe Média Brasileira, Amaury de Souza e Bolívar Lamounier, SP, Campus, 2010).

A escola faz de conta que ensina, o aluno finge que aprende, os níveis de capacitação profissional e cultural são vergonhosos comparados aos de outros países emergentes. Quem dera que, no Brasil, houvesse tantas livrarias quanto farmácias!

Hoje há mais consumo no país, o que os economistas chamam de forte demanda por bens e serviços. Processo, contudo, ameaçado pela instabilidade no emprego e o crescimento da inadimplência – a classe média tende a gastar mais do que ganha, atraída fortemente pela aquisição de produtos supérfluos que simbolizam ascensão social.

A classe média ascendente aspira a ter seu próprio negócio. Porém, o empreendedorismo no Brasil é travado pela falta de crédito, conhecimento técnico e capacidade de gestão. E demasiadas exigências legais e trabalhistas, somadas à pesada carga tributária, multiplicam as falências de pequenas e médias empresas e dilatam o mercado informal de trabalho.

Embora a classe média detenha em mãos poderoso capital político, ela tem dificuldade de se organizar, de criar redes sociais, estabelecer vínculos de solidariedade. Praticamente só se associa quando se trata de religião. E revela aversão à política, sobretudo devido à corrupção.

Descrente na capacidade de o governo e o Judiciário combaterem a criminalidade e a corrupção, a classe média torna-se vulnerável aos "salvadores da pátria" — figuras caudilhescas que lhe prometam ação enérgica e punições impiedosas. Foi esse o caldo de cultura capaz de fomentar a ascensão de Hitler e Mussolini.

Reduzir a desigualdade social, assegurar educação de qualidade a todos e aumentar o poder de organização e mobilização da sociedade civil, eis os maiores desafios do Brasil atual.

* Frei Betto é escritor, autor de Calendário do Poder (Rocco), entre outros livros.

5 comentários:

Unknown disse...

Karl Marx ao escrever carta a Annenkov, sobre as posições Proudhon (expoente anarquista), dá um exemplo do pequeno burguês:

"O sr. Proudhon é filósofo e economista da pequena burguesia, da cabeça aos pés. Numa sociedade avançada e por imperativo de sua condição social, o pequeno burguês faz-se socialista por um lado, economista por outro, quer dizer, é encadeado pela magnificência da alta burguesia e condói-se com as desgraças do povo.
É, ao mesmo tempo, burguês e povo. Vangloria-se, no foro íntimo da sua consciência, de ser imparcial, de ter encontrado o justo equilíbrio, que tem a pretensão de distinguir o meio termo.
Um tal pequeno burguês diviniza a contradição, porque a contradição é o fundo do seu ser. Ele é apenas contradição social posta em movimento. Tem que justificar na teoria o que é na prática, e o sr. Proudhon tem o mérito de ser o intérprete científico da pequena burguesia francesa - o que é um mérito real, porque a pequena burguesia será parte integrante de todas as revoluções sociais que se preparam."

Unknown disse...

IN: MARX, Karl. Miséria da Filosofia: resposta à Filosofia da Miséria do sr. Proudhon (1847). São Paulo: Centauro, 2001, p.186.

Unknown disse...

"O povo sem poder não tem nada" - Mao Tsé-Tung.

Waltécio disse...

Pois é, levei tempo para entender o que significava "pequeno burguês". Antes era algo apejorativo, no campo superficial das coisas.

Assim como meu amigo Eduardo, antes, tudo que fosse associado com "burguesia" compreendia como ter dinheiro/ coisas (carros, mansões, etc.) e cultura junkie de "playboy".

Por ser de origem pobre, em minha infância e adolescência, qualquer coisa rotulada como "burguesa" eu achava que estava sempre bem longe de onde morava (uma cidade de pobres e proletários).

Entretanto, vi na prática que ao ascender socialmente, tanto eu, como alguns colegas passamos a ter discursos semelhantes. Mas, na práxis, éramos muito diferentes.

Quando escrevo tempo, é tempo mesmo... Só comecei a tentar ler a respeito aos meus 30 anos.

Hoje integro um partido político (PCdoB), estou sindicalizado, participei como militante de três campanhas políticas, fiz greve e não deixo de contextualizar todas minhas aulas com história e sociologia... Mesmo sendo eu um biólogo.

Bem, como escrevi várias vezes antes, eu preciso fazer mais! A universidade que trabalho (URCA) atende principalmente pessoas pobres, mas insiste no papel em parecer burguesa. Por exemplo, há discurso favorável a cotas para negros, mas nada na prática é NADA existe... Sem contar que há um nordeste inteiro de abandono social e econômico.

Compreendo Eduardo, eu não tive nenhum treinamento político na universidade. Literalmente fiquei nessa de laboratório e publicar, concentrado em minha carreira... Mal olhei dos lados e veja que nem consegui emprego em uma universidade de grande porte.

Aqui estou, no sul do Ceará, em plena região do semi-árido brasileiro: "A Terra do Sol"! Onde os preconceitos, injustiças e desigualdades afloram com intensidade maior!!!

Contradições de pequeno burguês não faltam nas universidades... Aqui nas terras dos coronéis, mais ainda!!!

Culpam as pessoas de emigrarem para as capitais em busca de uma vida melhor! Favelas é de responsabilidade pública, ninguém quer ir para longe de onde se nasce... Ninguém deseja viver na miséria. A menos que seja um imperativo de sobrevivência. Olha só a história de vida do Lula!

Ah! Ontem recebi e-mail de uma amiga aqui do interior. Ela mora hoje em Fortaleza, ganha muito mal... mas, divulga seu ódio contra a esquerda com fotos do "grupo guerrilheiro da Dilma"... Escrevi informando que essas pessoas "terroristas", foram elas mesmas que combateram de VERDADE os militares, que foram torturadas, mortas e muitas até hoje estão desaparecidas. Essa minha amiga é uma pobre alienada, espera que grupos de direita venham a simplesmente... melhorar seu salário!

Ela ainda vai andar muito de ônibus lotado e ficar endividada na compra de seu "carro econômico"... A violência urbana e degradação do meio ambiente só irá aumentar... São frutos do capitalismo que anda de mãos dadas com a Barbárie(*).

Bem, é isso!

Abraço e valeu o comentário bastante explicativo, camarada!

W.

(*) http://resistir.info/mreview/barbarie.html

Francisca Rolim disse...

Agora gostei dos comentários...

Mas não botem palavras na minha boca aê não. Burguesia pra mim não tem a ver com riqueza e poder. Isso se chama aristocracia. Como já falei antes, não é do meu interesse escavacar conceitos e ideologias políticas. Tudo isso, pra mim, como físico, é arbitrário e solto ao vento. Nada amarra isso a qualquer conceito que se aproxime da "verdade", como essa que se busca na natureza: testável, refutável etc. Parece-me tudo opiniões pessoais de fulano e beltrano. A história mostra que TODOS os grandes pensadores falaram merda em um momento ou em outro. Se você não pode confiar em tudo, "you might as well believe nothing" como diz o Dawkins. Ideologias políticas, como todas as ideologias, pré-assumem um grau bastante saudável de ceticismo e cautela.

Eu queria enfatizar bem essa idéia. Acho que essa carta de Marx citada pelo camarada Darlan é um pouco exagerada. O que dá a entender para os não convertidos, é que toda e qualquer visão de mundo (essencialmente intelectual: ciência, religião, filosofia, lógica etc; não me refiro à política ou sensibilidade social) é definida pela sua classe social. Eu e Waltécio, acredito eu, somos exemplos faiscantes de que isso não é verdade.

Camarada Waltécio não precisa se justificar se sente que não faz o suficiente para mudar o status quo do povo. Segundo as idéias que se foram ferrenhamente apresentadas aqui, contra minha atitude conservacionista, NADA que você faça, como indivíduo, vai adiantar. Aparentemente, nem mesmo bradar a plenos pulmões, no silêncio digital do seu blog.

Entendo muito bem que você seja um camarada acadêmico com uma preocupação maior, que extrapola seus artigos e a porta da sua sala. O que achei estranho a princípio, e que me causou tanta irritação no post sobre a Barbárie, é que, aparentemente, fui criticado por fazer exatamente o que o meu opositor faz; com respeito a problemas diferentes do mundo.

Waltécio, não conheço essa sua amiga, mas posso dizer que, aí sim, sem muita dúvida, você tem um exemplo de burguesia alienada, que tem orgulho da ignorância política, mas que se associa à direita por conta de uma estética que eu acredito que está diretamente à classe social.

Veja que minha afirmação é forte, mas eu resgato minha humildade deixando claro que vim de uma família de classe média e admito que sou politicamente IGNORANTE mas por não saber lidar com sistemas de alta complexidade. Não consigo entender sistemas que não podem ser modelados e resolvidos exatamente. A diferença é que não tenho orgulho disso.

Uma das epígrafes da minha dissertação foi:

"It pained him that he did not know well what politics meant and that he did
not know where the universe ended. He felt small and weak."
—JAMES JOYCE, A PORTRAIT OF THE ARTIST AS A YOUNG MAN (1916)

 
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