terça-feira, 12 de maio de 2009

O significado das coisas: no supermercado


Sábado, 10:00 da manhã, estou parado no supermercado, à minha frente encontra-se a seção de banho com uma infinidades de sabonetes, shampoos, condicionadores, cremes... Tudo muito bem colorido, envolto por um clima condicionado (está 22 graus) e música ambiente tranquila... Minha náusea sartreana chega ao máximo!

Como escolher o sabonete certo? Minha ancestralidade fala alto e eu não consigo ser racional. Vem à mente todo marketing publicitário... eu olho para as marcas mais conhecidas. Lembro delas em revistas, na TV e até em outdoors... Tanto dinheiro e energias gastas para deixar claro para mim como é importante comprar o melhor sabonete!

Eu sei... é tudo uma mistura de sal de ácido graxo, com glicerina e perfume. Alguns têm até antibióticos para acelerar a seleção natural de bactérias... torná-las resistentes, embora a propaganda e o nome de fantasia falem que irão me proteger... ao ensaboar meu corpo!!!

Eu preciso decidir... pior, meu pânico aumenta, porque esse momento de decisão irá se repetir para as marcas de macarrão, feijão, café...

Ok, é uma besteira, pois é só deixar minha necessidade real se manifestar que tudo será resolvido. Afinal, um bom macarrão será daqui há pouco uma deliciosa macarronada!!! Meu banho também será agradável com um sabonete na emulsificação do sebo natural de minha pele, limpeza da sujeira do dia a dia e o perfume suave que ficará no final.

Todavia, as coisas que passo horas para escolher e comprar não se restringem às minhas necessidades de sobrevivência. Por exemplo, tenho que promover entretenimento para minha mente... caso contrário, transformarei meus dias, sobretudo as horas vazias neles... em momentos brancos e angustiantes.

Segue na lista de coisas, filmes, TV, CDs, downloads, livros, HQs... tudo para ocupar o nada de minhas horas brancas.

Lembro que há mobília, automóvel, eletrodomésticos, equipamentos eletrônicos e uma parafernália de instrumentos de meu trabalho no laboratório e campo. Mais tempo, mais preocupações... com mais coisas.

Olho para meu lado e vejo uma multidão de outras pessoas presas às coisas de significados tão simples, mas usadas em minúncias para definir, qualificar e dar sentido às suas vidas. Pessoas que são definidas pelas coisas que consomem, ou mesmo apenas pelos desejos de tê-las.

Pesquisas demonstraram que felicidade é um estado arbitrário de satisfações momentâneas. Assim que você alcança um objetivo na vida, haverá alegria... mas isso se torna logo um tipo de rotina e você se verá enfrentando novos obstáculos em busca de um novo momento de felicidade. É por isso que no decorrer de nossas vidas estamos com frequência falando que não estamos realizados, nossa meta ainda não foi alcançada, o cume da montanha estará sempre em alturas mais elevadas com novos desafios auto-impostos.

A esclerose múltipla de minha irmã, a hipertensão de minha mãe e a diabetes de meu pai. Em um mundo com vidas frágeis assim, como posso dar tanta importância para um emulsificador de gorduras perfumado?

Decidi e então pego o sabonete de embalagem mais colorida com maior valor. Fecho ele em minha mão e penso: "será que o preço reflete a qualidade?" Em instrumentos musicais eu sei que quanto mais cara for a guitarra, melhor será. Mas isso não possui um limite? Não há exageros demais?

Um exemplo corre pela minha mente, o carro esportivo contemporâneo mais caro do mundo custa US$ 1,2 milhão, um Bugatti. Todavia, mesmo se eu tivesse como comprar e manter um carro assim... não daria para dirigi-lo! Há tantos buracos nas ruas e estradas desse Brasil profundo, que o mais adequado para minha realidade seria ter um automóvel com tração 4x4, ou melhor ainda, um carro popular!

Um Bugatti na verdade representa um símbolo de poder e status. Muito mais que locomoção, conforto e velocidade. Pode-se ter tudo isso com muito menos do que US$ 1,2 milhão. É um símbolo, uma coisa para identificar uma pessoa e seu "estilo de vida"... não é uma máquina para transportá-lo com conforto, economia e níveis baixos de poluição. É um carro que não é um simples automóvel... É uma coisa digna de um Dr. Moreau da indústria automobilística!!!

Vou escolher três temas para expor essa náusea sobre as coisas. No primeiro, abordarei coisas de necessidade básica como remédios e comida. No segundo, os símbolos de
status máximos como jóias, mansões e máquinas de transporte. Por fim, no terceiro, um texto sobre as horas vazias, cheias de entretenimento superficiais. Essas mesmas horas vazias que somadas formam nossos longos dias brancos.

Melhor do que qualquer palavra que escrevi nessa apresentação é o trecho a seguir do filme “Clube da Luta” (Fight Club - 1999):

Esse é o significado das coisas.

13 comentários:

Unknown disse...

Esperamos quase um mês por um novo texto e ainda ficou um suspense do que vem adiante...

Beijo!

Waltécio disse...

A quantidade de aulas nesse início do semestre está muito pesada. Após concluir a disciplina do mestrado (Evolução e Biodiversidade) venho correndo para o Blog!!!

Dei o tom dos textos... poderá soar bem pessimista para alguns. Todavia, esse tema é o mais próximo da Násusea de Sartre ambientada na ciência e dias atuais.

O mundo de Olavo, meu personagem, é diferente em muitos detalhes daquele de Roquentin (Sartre).

Por último, similar ao Clube da Luta é uma jornada em busca do que vale realmente a pena viver. Contudo, diferente desse filme, os textos não são um eleogio à vida primitiva, ou pior, uma defesa pelo retorno a uma vida tribal... É primeiro um despertar e depois viver livre em um mundo onde a maioria das pessoas está acorrentada à simbologias, regras sociais de dominação e exploração... alienação pura.

Um sabonete não deveria ter um nano segundo de nossa atenção, assim como muitas coisas tolas.

Entre o que é necessário e verdadiro, há uma estrada difícil de percorrer. Infelizmente, talvez isso seja para poucos.

AthilapeixE disse...

Grande Waltécio! Show de texto! Volta e meia, entre um consumo e outro neste vida, Buia dá a dica dos seus textos!
Agora ando com ele como vizinho, aqui por SSA.
Forte abraço e qualquer hora estamos dando aquele giro aí por cima!
Áthila.

Tassos Lycurgo disse...

Amigo W.,

Às vezes tenho para mim que há um tipo específico de maneira correta de viver a vida. Mas, sempre que essa idéia me vem à mente, sinto um impulso estranho a me questionar se o que estou querendo é disciplinar moralmente a humanidade, o que, nem que eu quisesse, não me parece que teria direito de tentar fazer. Aí, volto atrás e penso em outras coisas.

Assim como você, às vezes estranho o encantamento pelo frívolo e medíocre na rua, mas não seria esta uma escolha que o homem fez e, como tal, deveria ser respeitada, mesmo que não concordemos com ela? Quando você diz “um sabonete não deveria ter um nano segundo de nossa atenção, assim como muitas coisas tolas”, será que não está querendo impor um modelo de conduta à humanidade quando eventualmente não tivesse o direito de fazê-lo? Em outras palavras, qual é mesmo o problema do homem ser medíocre se verificamos que ele tem a opção de ser ou de não ser?

Não sei... Apenas penso que os textos prescritivos sobre a humanidade (que impõem modos certos de agir, que impõem moralidades) devem fazer isso explicitamente, no sentido de que não seriam esses textos leituras do mundo, mas sim regras impostas ao mundo.

Bom, sinto-me bastante à vontade para fazer tais colocações em relação ao seu texto porque o faço no campo unicamente das idéias e, como o conheço pessoalmente, sei que seu perfil de cientista aceitará esse tipo de intervenção...

Saudações universitárias,

Lycurgo

Waltécio disse...

Olá Athila!!!

Ao lado de Buia... é barulho na certa!!!

Obrigado pelos elogios, os textos mais densos virão em breve. Espero que continue acompanhando.

Um grande abraço, meu amigo!

Waltécio disse...

Olá Lycurgo,

Agradeço muito pelas seus comentários e reflexões.

Eu acho que não existe uma imposição, ou direção a ser imposta de forma simples à humanidade. Somos uma coletividade com uma complexa diversidade de ideologias, religiões e sistemas políticos. Tudo isso é planejado, discutido, aceito, ou combatido.

Eu não acredito que o povo escolheu livremente um sistema de alienação, tão pouco de exploração. Esse mundo consumista não constitui a única forma de organização humana em prática hoje.

Nós não conseguiremos mudar algo dessa magnitude tão facilmente. Contudo, é nosso dever expor idéias... sobretudo, porque há outros como nós. Até Nietzsche sabia que sua filosofia não era para todos.

Não estou comparando os textos que escrevi à opinião desse filósofo, porque nunca chamarei ninguém de superior apenas por concordar com o que penso.

Mas sei que há os espíritos sensíveis... Pessoas que não estão amarradas à alienação das massas.

É para elas que esses textos são escritos!!!

Tassos Lycurgo disse...

Entendi, amigo.
Obrigado pelos esclarecimentos.
Abraço,
Lycurgo

Unknown disse...

Camarada,
Publiquei teu texto no Blog Cariricult.

Abraço.

Tassos Lycurgo disse...

Caro W.,

Nesta quinta, participarei de um debate com um professor comunista do Departamento de Direito da UFRN sobre a Crise Global.

Defenderei um regime capitalista, mas de respeito ao patamar mínimo civilizatório.

É uma pena que a distância impeça a sua presença, pois sei que você gostaria de participar de tal discussão.

Quem sabe teremos a oportunidade de fazer isso no futuro, juntamente com os amigos Darlan e Salete. Acho que será bastante proveitoso, embora saiba que sairia em desvantagem numérica (hehe).

Abs
Lycurgo

Waltécio disse...

Obrigado pela divulgação do texto, camarada Darlan!!!

Grande abraço

Waltécio disse...

Meu amigo Lycurgo,

Se você reunisse esse time, muito provavelmente sairia do debate com a ficha de filiação no PCdoB!!! rsrsrsrs!!!

É realmente uma pena a distância e o tempo que não possuo agora para percorrê-la.

Vamos pensar em um encontro assim em futuro próximo... poderá ser aí mesmo na UFRN.

Um grande abraço e valeu pela recordação!

LUIZ CARLOS SALATIEL disse...

Waltécio,
Acessei o teu blog e achei interessante os textos que escreve. Procurei o teu e-mail para convidá-lo a postar no CaririCult e não localizei. Enfim, o meu e-mail é lcsalatiel@hotmail.com e, se interessar ser um dos nossos manda me dizer prá eu encaminhar o convite.
Um abraço,
Salatiel

Waltécio disse...

Olá Salatiel!

Meu e-mail é waltecio@gmail.com.

Enviei uma mensagem para você:

"de waltecio@gmail.com
para lcsalatiel@hotmail.com

data20 de maio de 2009 05:34
assuntoCariri Cult

Olá Salatiel,

Muito obrigado pelo convite para participar do Cariri Cult, ao qual aceito com muita satisfação.

Obrigado também pela visita e comentário em meu Blog.

A gente se vê nas ruas do Crato... e se 'lê' aqui.

Um grande abraço,

Waltécio"

 
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