domingo, 14 de junho de 2009

O significado das coisas: entre os dias brancos

Por que fiz isso comigo? Por que pintei meu dia com mais tinta branca do branco vazio que ele já era? Eu não fiz nada hoje, apenas deixei meu tempo se esgotar como se tivesse tanto tempo para desperdiçar. Eu não fiz absolutamente nada hoje, fiquei ali no canto das coisas, estático, entre dormir e acordar, olhar a janela, escutar o som dos poucos automóveis na rua e ir até a geladeira, no máximo de meu esforço físico... Eu não fiz droga alguma hoje! Deveria ser preso por esse crime. Desperdiçar vida deveria ser inafiançável neste sistema solar, sobretudo neste planeta... no dia de domingo.

Vocês sabiam que o dia de domingo não possui qualquer significado para a natureza? Todos os animais e plantas continuam suas rotinas de sobrevivência cheias de significado, repletas de evolução.

Minha espécie evoluiu para o dia de domingo?! Não, o correto é meus antepassados mais recentes, porque ameríndios e tantos outros povos de caçadores-coletores não possuem um dia tão inútil e vazio em suas vidas. Domingo é uma conseqüência, o produto final de nossa evolução cultural. Deveríamos estar todos muito felizes por termos 24 horas vazias formando nosso dia mais branco de cada semana, mas não estamos, por quê?

Algumas pessoas não entendem a necessidade existencial de procurar respostas sobre o que somos e de onde vimos. Outras se satisfazem com a primeira resposta, ou livro que lêem. Eu digo a você meu amigo, uma pesquisa modesta entre livros de divulgação científica, ou um passeio com os olhos pelos artigos científicos disponíveis na internet sempre te levarão à África, nossa terra natal, lar de nossos ancestrais. Se existiu um paraíso para a primeira população humana, foi lá naquelas savanas de campos abertos e grandes árvores esparsas.

Antes de nós, nossos irmãos em cladogênese já possuíam uma vida social de estrutura complexa. Nós e todos os outros primatas, em nossos grupos sociais, vivemos uns com os outros, amando, odiando, sorrindo, chorando. Para nós primatas, não há vida na solidão. Esta é sempre melancólica, sempre nos deixa em estado de depressão, mesmo os misantropos lá no silêncio de seus mundos particulares, com motivos de sobra para guardar suas mágoas de amores passados.

Solidão é o sentimento que descreve bem um dia vazio e branco:

Onde estão as coisas aqui no branco deste dia? Do que vale o carro de luxo, o relógio mais caro, o jeans da moda, o sabonete perfumado e feito artesanalmente só para você? O que isso melhora sua vida em um dia vazio e branco?

Sartre escreveu certa vez: “o inferno são os outros”. Entretanto, o paraíso também é!!! Precisamos de outras pessoas para sermos felizes.

Precisamos de pessoas ao nosso lado e não coisas!!!

É algo hoje estabelecido pela ciência, ou você não ouviu falar nas novas fórmulas de uma vida saudável: resolver tudo em seu bairro (compras, lazer e identidade social). O problema é que isso esteja bem longe da realidade e apenas grupos da “classe média alta” costumam defender essa idéia ao edificarem seus condomínios de luxo privados. Já os mais ricos têm como extremo representado pelo Principado de Mônaco, um mini-país feito apenas para milionários, construído para simular uma vida tribal de abastados contemporâneos.

Há quem até defenda o abandono total desse modo de vida que temos para um retorno às sociedades de pequenos agricultores, ou mesmo caçadores-coletores. Quem possui essa felicidade natural deve ser defendido de nós, seres culturais tecnológicos, produtos da última revolução cultural da solidão e exploração das pessoas mais fracas. Isso é bem representado na música em homenagem ao Timor Leste por Morten Harket (vocalista da banda norueguesa A-ha):

Sandalwood trees are evergreen
Árvores de sândalo são sempre verdes
Cut them down
Cortem-nas
Plant coffee beans
Plantem grãos de café
Build no schools
Não construam nenhuma escola
Construct no roads
Não construam nenhuma estrada
Mark them as fools
Marquem eles como tolos
Let ignorance rule
Deixem a ignorância governar
Leave them stranded on their island
Deixem eles em sua ilha
Treat them to the tune of silence
Tratem eles ao tom delicado do silêncio
Red is the cross that covers out shame
Vermelha é a cruz que cobre nossa vergonha
Every Kingdom, every land
Cada reino, cada terra
Has it's heart in the common man
Tem seu coração no humano comum
Silently the tide shifts the sand
Em silêncio, a maré desloca a areia

Estranho como algumas histórias religiosas refletem nossa realidade. O livro sagrado de todos os cristãos está correto: nós perdemos nosso paraíso!!! Pela ciência, pela glória do capitalismo, pela fantasia de marketing das coisas que somos compelidos a consumir, ou até mesmo viver por elas.

Hoje é domingo, o dia mais branco e mais vazio de todos. Tento escutar o meu CD favorito, o filme mais marcante, ler o romance mais emotivo... tudo para entreter minha mente. Entretenimento de massas é um dos negócios mais lucrativos. Nós evoluímos ao redor de fogueiras, onde os mais velhos contavam histórias fantásticas para todos.

Nós precisamos de histórias para viver.

Também dançávamos e cantávamos a todos os pulmões pela alegria de uma boa safra, ou mesmo em luto pelos nossos entes mais queridos. Até para ir à guerra, quando era inevitável, nós cantávamos todos de mãos dadas, uns com os outros.

Hoje tudo está gravado em linguagem binária de computadores. Bytes, mega, giga, tera, yottabytes do que fomos, o que sobrou de nós mesmos no significado mais profundo das coisas.

Os sóis são indiferentes a nossa existência, todo o universo não está nem aí para nossa dor e finitude. Nós só temos uns aos outros e isso inclui todas as outras formas de vida deste planeta.

Nós somos tão efêmeros, animais tão frágeis como mostra toda a psicologia básica de alguém com orgulho exagerado. A soberba e auto-afirmação das pessoas esnobes, na verdade refletem um complexo de inferioridade agudo. Liderança e qualquer outro papel social são dados pela escolha da maioria, como bem fazem nossos irmãos chimpanzés. Construir isso artificialmente está no âmago de nosso mundo de ilusões e solidão contemporâneas.

Domingo um dia clássico de depressão no mundo ocidental moderno. Ouço o barulho das risadas e choro de meus filhos pela casa. Um dia eles vão partir, assim como eu fiz anteriormente. Meus domingos ficarão mais vazios no futuro e esse vazio poderá se alastrar para os dias da semana em minha aposentadoria. O maior inferno de todos é ter dias brancos espalhados por toda semana.

Não há coisa que se possa comprar com dinheiro capaz de preencher e entreter para esquecer esse vazio.

Pelo menos nos resta a arte, que seus dias brancos sejam como aqueles cantados por Geraldo Azevedo:

Só não esqueça que na música há um clamor por outra pessoa, um amor de paixão, ou um amor de sua família. Mesmo se sua casa for enorme e abarrotada de coisas, mesmo as mais caras possíveis, se não houver alguém nela que te ame... Tudo isso será um nada, vazio e absoluto.

Em um dia branco precisamos de pessoas ao nosso lado. As coisas que possuímos precisam estar mergulhadas nesse significado!

O significado das coisas.

15 comentários:

Unknown disse...

"Por que fiz isso comigo?"

Não sei dizer, talvez para deixar o texto assim: PERFEITO!

Está de parabéns!

Waltécio disse...

:)

Marcelo R. disse...

Este texto está sensacional!

Waltécio disse...

Obrigado Marcelo, meu grande amigo!

Abraço,

Waltécio

Francisca Rolim disse...

Tá uma MERDA. Vai trabalhar, desocupado.

Emmerson tá chegando aqui com Alex 8 de julho. Vai rolar?

Waltécio disse...

Sigo seu exemplo, nobre professor desocupado de Física da UFPB!!!

Vou ver se dá para ir por aí!!!

Obs.: Olha como meu texto está certo. Você precisa de uma reunião de amigos, não é?! Ficar só é a verdadeira "merda" que você fala.

Abraço, meu amigo desbocado!

Francisca Rolim disse...

Eu, desbocado? Olha só quem fala! Tá com medo da opinião pública é professor? Eu estou ME LIXANDO. Hehe...

Não preciso de uma reunião de amigos. Preciso de uma reunião do quarteto fantástico. Mais que amigos.

E você me deve um abraço.

Waltécio disse...

Eu amo você como um irmão, Eduardo!!!

Vou assim que der. Estou quase desistindo de ir de carro, as estradas estão muito ruins e parecem piorar mais ainda a cada semana.

Talvez um avião, ou um ônibus resolvam... até porque nunca precisei de carro para estar aí com vocês em Jampa.

Vou dar meus pulos por aqui... Entrarei em contato até o final deste mês.

Estou com saudades de meus amigos e também de meus pais... Ah! A comida de minha mãe, caminhar pelas ruas que cresci e rever a vizinhaça... Eu preciso muito disso.

Até por que eu e Sandra estaremos finaciando nossa moradia (casa, ou apartamento) em João Pessoa até o meio do próximo ano. Espero viver o máximo possível... e ter minha aposentadoria em minha terra natal.

Abraço, meu grande amigo!!!

Gandalf nós sempre te chamamos!!!

W.

Francisca Rolim disse...

Hehehe... Vai ter cuscuz com graxa?!

Larga mão de carro.

Espero seu posicionamento.

Biosfera disse...

"Nós e todos os outros primatas, em nossos grupos sociais, vivemos uns com os outros, amando, odiando, sorrindo, chorando. Para nós primatas, não há vida na solidão."

Realmente não estamos preparados para a solidão, e os avanços em nossa sociedade hoje, estão nos forçando a viver uma vida cada vez mais individualistas, talvez seja por isso que a depressão vem crescendo em escalas gigantescas.

Parabéns pelos textos e pelo blog.

abraço

Waltécio disse...

Obrigado por ter lido!!! Espero contar sempre com seus comentários e críticas.

Sim, precisamos sempre uns dos outros. O resto é alienação de massas!

Abraço e tudo de bom!

Anônimo disse...

é isso aí, dizer mais oque né?
Valeu Wal,como sempre!!

Waltécio disse...

Eu não sei, Nádia. Tentei como sempre conversar sobre coisas que não são discutidas em meu dia a dia no trabalho. E olha que eu tô dentro de um sistema integrado de faculdades (universidade)!

Às vezes, eu me sinto um merda... Bate uma náusea e ânsia de vômito, eu não sei explicar direito. As pessoas e a família que amo estão hoje vivendo em cidades, regiões e estados diferentes. Penso no futuro, caso fique insistindo em trabalhar no interior do Ceará (ou se faltar, ou fracassar mediante a oportunidade de concurso). Meus filhos terão que ir terminar seus estudos em outro lugar (em João Pessoa, talvez)... estudar muito distante de mim. Sei que esse momento de separação ocorrerá, afinal, filhos são assim mesmo... Olha eu aqui bem longe de minha casa! Só não queria antecipar isso, sobretudo por falta de infraestrutura daqui do interior... Minha solidão de hoje e do futuro, ambas me dão calafrios.

Decididamente, nossa psicologia de primata foi moldada pela evolução para estarmos entre nossos entes queridos, cooperarmos, sermos altruístas, participarmos de um grupo e ter identidade social.

Afastar-se das pessoas de quem se ama é padecer de solidão.

Beijos,

W.

Unknown disse...

Saudades de ti...
http://nadiajungcapturas.wordpress.com/2013/01/11/macaco-alfa/

Waltécio disse...

Estou por aí na internet.

Por exemplo:

http://www.facebook.com/waltecio.deoliveiraalmeida

A gente se encontrar nesse mundo.

Bjs e saudades de você também!

 
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