terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Diálogos: Ciência no Dia a Dia

Domingo 16 de agosto de 2009 era dia de jogo no estádio do Romeirão em Juazeiro do Norte – CE. Nesse dia e cidade jogaram Icasa (o Verdão do Cariri) contra Paisandu de Belém do Pará. Um clássico! Ao lado de amigos de trabalho e meu filho Daniel fomos todos torcer pelo Icasa!!!

Chegamos lá faltando uns quarenta minutos para o início da partida. Deu para escolher o lugar de sentar, comprar refrigerante, amendoim, água e conversar bastante:

Eu – Daqui a pouco os times vão entrar para aquecer, meu filho.

Daniel – Tá, pai!

Eu – Sabe por que nós temos de torcer por nosso time, não é?

Daniel – Sim! O verdão vai ganhar de 6 x 0!!!

Eu – [rsrsrs]!!! Claro, mas eu quis dizer que temos de ajudar o time torcendo. Para isso precisamos fazer barulho a cada jogada e gritar forte os nomes dos nossos jogadores.

Daniel – Isso é legal!

Eu – Mais do que isso, você sabia que atletas aumentam muito a concentração de uma substância no sangue que lhes dá força quando ouvem o clamor pelos seus nomes e/ou o time que estão jogando? Chama-se testosterona, um tipo de hormônio, uma substância que eu e você também possuímos em nosso sangue.

Daniel – E ficamos mais fortes também pai?

Eu – [rsrsrs] Mais ou menos assim, meu filho! Essa substância dá picos nos jogadores e claro, também aumenta em nós quando estamos torcendo de coração. Tem algo na gente e no nosso jeito de ser (comportamento) chamado “colocar-se no lugar de outro” (empatia). Torcer por um time para nossas mentes é como estar lá no campo. Por isso gritamos “NÓS vencemos”, mesmo que longe do campo. Na verdade serão eles os vencedores, mas nós os elegemos nossos representantes e deixamos nossas mentes livres para usar nosso jeito de ser e “se colocar no lugar deles”.

Daniel – Quer dizer que quando a gente grita e eles ficam fortes?

Eu – Mais ou menos assim!!!

Daniel – VERDÃO, VERDÃO, VERDÃO!!!

Eu – Isso mesmo meu filho: VERDÃO, VERDÃO, VERDÃO!!!

Eu – As pessoas sabiam intuitivamente disso, que a torcida em uma partida pode influenciar no desempenho dos atletas. Pesquisadores, pessoas que fazem ciência (tipo o que papai faz na universidade), confirmaram isso. Mediram a quantidade de testosterona no sangue dos jogadores, viram que ela se altera, aumenta na partida e também é estimulada mais ainda quando há uma multidão torcendo por você.

Daniel – Pai, se sabiam disso, por que alguém duvidava que fosse verdade?

Eu – Por que esses tais pesquisadores vivem duvidando de tudo, meu filho! Fazem perguntas o tempo todo e procuram por respostas. Às vezes algumas coisas consideradas como “verdades” não são, outras vezes sim e tem vezes ainda que descobrimos verdades completamente inesperadas.

Daniel – Mas a gente torcendo ajuda! É verdade!

Eu – Sim! Nesse caso específico era preciso saber três coisas: se isso era verdade, como acontecia e o porquê, ou origem desse fenômeno.

Daniel – Mas é verdade, pai! Eu vi na TV, a gente tem de torcer por nosso time!

Eu – [rsrsrsrs] Verdade! Fazemos isso de coração, pela tal força de “colocar-se no lugar dos outros” (a empatia que falei antes).

Eu – Mas veja, antes pensavam que era um tipo de força mágica. Como se apenas nossos pensamentos, ou gritos por si só poderiam influenciar o jogo. Isso não é verdade! Há forças fisiológicas do corpo, comportamento humano e evolução atuando. Em outras palavras, é tudo físico, forças físicas e palpáveis deste mundo. Não há nada de invisível aqui.

Daniel – Pai, a conversa tá chata!

Eu – Seu pai é um nerd, meu filho! [rsrsrsrs]!!!

Daniel – O que é nerd?

Eu – Alguém que gosta de conversa assim, chata!!!

Daniel – [rsrsrsrs]!!!

Eu – Mas tenho que terminar o que comecei. Olha Daniel, nós somos um tipo de macaco e como tais vivemos em grupos. Nós lutamos uns pelos outros, ajudamos uns aos outros, sofremos juntos... Contra forças da natureza e, claro, grupos rivais. Além da testosterona, em nossa cabeça há pequenas células que chamamos neurônios. Estes produzem o pensamento e também secretam substâncias de... digamos, recompensa pelo que fazemos de bom. Você lembra como fico feliz quando estou bebendo cerveja? Pois é, naturalmente temos substâncias (endorfinas) que nos dão bem estar, muito melhor e de forma mais saudável. Diferente da cerveja, olha, quando você ficar adulto, nada de exagerar com bebida, viu?! A euforia e alegria que vem no início tem o preço que pagamos no outro dia. Lembre-se também de como fico no banheiro depois de beber demais?!

Daniel – Mamãe reclama muito, mas você não escuta, pai!

Eu – É uma das coisas que você entenderá quando crescer mais um pouco, meu filho.

Daniel – Eu vou crescer e ficar maior do que você, pai!

Eu – [rsrsrsrs]!!! Então, testosterona no sangue e endorfinas na cabeça... Além de toda uma bateria de outras substâncias químicas ligadas ao mecanismo “lute ou fuja”, tudo isso entra em ação. Voltando ao início, agora sabemos que isso é verdade e como acontece. O porquê, ou a origem tem sua resposta na evolução de nossa espécie. Somos assim porque somos quase iguaizinhos aos chimpanzés.

Daniel – Chimpanzé igual aquele macaco da novela das sete?

Eu – Sim!

Daniel – Chimpanzé também joga bola?

Eu – Não!

Daniel – Paiii, tá chato de novo!

Eu – Eles não fazem torneio de futebol, Daniel. Mas, eles vivem como se estivessem em times (grupos) e levam a sério demais as suas disputas. Olha, antes desse jogo que a gente vai assistir ser uma simples diversão, era disputa de gladiadores, ou mesmo disputa de exércitos. Jogos como o futebol possuem origens sangrentas. Tem uma música intitulada "Paradise" de uma banda brasileira chamada Angra, que é exatamente sobre isso:


Eu - Tem outra banda brasileira chamada Dr. Sin que possui uma forma mais descontraída de demonstrar esse nosso envolvimento visceral por esporte, em especial o futebol:


Eu - Bem, em todo caso, os chimpanzés também fazem guerra!

Daniel – Macaco morde, né pai?!

Eu – [rsrsrsrs] Sim, eles e todos os animais com mandíbulas!

Daniel – Eu quero ficar longe dos macacos!

Eu – Mas os chimpanzés também fazem paz. Na maioria das vezes é o que eles fazem. São peritos em paz e empatia! Acho que mais do que nós mesmos!

Daniel – A tia falou na escola que não deveríamos matar os bichos!

Eu – Isso mesmo! Chimpanzés não saem por aí destruindo com a nossa força, Daniel. Destruímos o mundo inteiro, dia após dia. Eu sinto muito, tenho vergonha disso, porque queria um mundo diferente para você.

Daniel – Tá bom pai, eu não vou deixar que ninguém mate mais bicho nenhum!

Eu – [rsrsrsrs] Ok, meu filho!

Daniel – Pai, quem falou sobre essas coisas para você?

Eu – Meu filho, eu leio nos livros e, por favor, prometa para mim que você vai ler também?

Daniel – Vai demorar muito tempo para ler tudo que tem em casa, pai.

Eu – Não importa, apenas prometa, meu filho! Quando você crescer apenas recorde disso, tá?!

Daniel – Tá bom!

Eu – Quando sua irmã crescer mais um pouco vou pedir a ela a mesma coisa!

Daniel – Nós dois? Vamos ler o mesmo livro?

Eu – Tem livro de sobra para vocês dois, Daniel! Olha, o que acabo de fazer ainda há pouco é também conhecido como aplicar o conhecimento adquirido. Há beleza no mundo físico, até mais ainda do que poderíamos antes imaginar. O azul do céu, o arco-íris, toda a impressionante força dos relâmpagos e trovões, o vento que sopra, animais, plantas e coisas tão pequenas que cabem debaixo de nossas unhas. O mundo está a sua volta para ser descoberto, meu filho. Só leitura trará os detalhes dessa beleza.

Daniel – Minhas unhas estão limpas, pai! Não tem nada debaixo delas!

Eu – Tem coisa na unha sim e não é sujeira, meu filho! [rsrsrs]!!! As forças mais incríveis desse mundo em que vivemos, esse planeta tão diferente da lua, do sol e das estrelas. Nosso mundo tão bonito e profundo que você não deve esquecer disso por qualquer que seja suas preocupações mundanas.

Daniel – Hã?!

Eu – É outra coisa que você entenderá meu filho. Estar vivo é a coisa mais fantástica que a matéria pode produzir, por mais rápido e efêmero que seja.

Daniel – Num entendi, pai! Mas as pessoas morrem e eu sinto saudades de vovô!

Eu – Eu também, meu filho! Mas é a ordem natural das coisas, isso também está nos livros, viu?! Não esquenta a cabeça agora! Pelo contrário, vamos colocar o que aprendemos em prática, olha o Icasa entrando em campo!!! VEEERDÃÃÃOOOOO!!!

Daniel – VERDÃO, VERDÃO, VERDÃO!!! Vamos bombar nosso time, pai!!!!

Eu – Isso mesmo!!! Conhecimento aplicado no cotidiano!!

O final de tarde deu lugar à noite e, por incrível que pareça, o Icasa venceu por 6 x 2, quase 6 x 0 como Daniel desejou!!! Uma vitória que levou o Icasa a ascender até a Série B do Campeonato Brasileiro. Tanta alegria, o resultado da ação de hormônios e endorfinas somados ao contexto social e histórico. Esses constituindo o gatilho para nossa euforia e até agressividade traduzidas em gritos primatas milenares...

... Até voltarmos para casa roucos.



Ciência no dia a dia!!!

9 comentários:

Tassos Lycurgo disse...

Ora, Waltécio, contabilizando os "gritos primatas milenares", até achei que 6x2 foi pouco.

Waltécio disse...

Olá Lycurgo!!!

Além de rir com seu comentário, lembrei dos Pingüins dos Trópicos!!! Seu humor é ímpar!!!

Um grande abraço!

NáJung disse...

idem!
sempre me divirto por aqui!

Robson Roque disse...

Professor, gostaria de convidá-lo a ser um dos autores do <a href="http://caririblog.blogspot.com/>Cariri Blog</a>. O senhor pode escolher um tema específica ou falar o que julgar ser necessário. O Cariri Blog é um projeto colaborativo com a participação de blogueiros da nossa região. Caso aceite este convite, envie email para mim: fr.roque@uol.com.br ou basta responder a este comentário aqui mesmo.

Desde já agradeço a atenção dispensada.

Robson

Waltécio disse...

Robson,

Seu Blog já havia sido recomendado pelo Prof. Darlan. É com prazer que aceito seu convite, porque gosto muito do Cariri Blog. Só peço um tempo para escrever algo bom, já que estou no final do semestre na URCA e é aquela correria de sempre.

Um grande abraço,

Waltécio

msistemista disse...

Mto lindo!!! Daniel-filhote-querido c pai-prof-uni-versitário é assim = jogo de futebol tb é aula de vida evolutiva: testosterona, hormônios e empatia (ou tb 'vínculo narcísico' em psicanálise); perguntas, pesquisadores e taxonomia das verdades; chimpanzés, mandíbulas e gladiadores sangrentos... E, 40 min depois, o "Paiii, tá chato de novo!" virou "Vamos bombar nosso time, pai!!!!" // - VERDÃO, VERDÃO, VERDÃO!!! (aqui seria MENGÃO, MENGÃO, MENGÃO!!!)

msistemista disse...

Impossível ler este diálogo tão amoroso e não lembrar do livro q o filósofo Aristóteles escreveu p o seu filho: "Ética a Nicômaco". E a frase mais linda deste post tive q fazer virar outro post... http://tsistemica.blogspot.com/2010/03/blog-do-macaco-alfa-dialogos-entre-pai.html

PARABÉNS !!!

Waltécio disse...

Maria Sistemista,

Obrigado pelo carinho, você conseguiu me deixar com as faces rubras!!!

Agradeço também pela recomendação dos artigos por e-mail. Como te respondi, lerei tudo!!!

Um grande abraço,

W.

msistemista disse...

Your welcome: vc, o pno Daniel, e tb as meninas q não foram ao jogo/diálogo - mamãe e irmãzinha do Daniel, q vai crescer e ler mtos livros como ele ;-)

 
BlogBlogs.Com.Br