sábado, 22 de janeiro de 2011

Não estamos sós: Deus ex machina


Mas Zaratustra olhou, admirado, para o povo. Depois, falou assim:

“O homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem – uma corda sobre um abismo.

É o perigo de transpô-lo, o perigo de estar a caminho, o perigo de olhar para trás, o perigo de tremer e parar.

O que há de grande, no homem, é ser ponte, e não meta: o que pode amar-se, no homem, é ser uma transição e um ocaso” (Nietzsche, FW., 1995 [1885]: 31).


Aqui estamos após alguns poucos séculos, em especial séc. XIX e séc. XX, com um conhecimento inicial sobre a origem, a evolução, a estrutura, a fisiologia de nosso cérebro e sistema nervoso. Sabemos o suficiente para afirmar que temos a mesma unidade fundamental (neurônios) e temos o mesmo chassis neural de qualquer vertebrado.

Fisicamente é isso!

Entretanto nós humanos somos os maiores em sempre encontrar alguma característica que ressalte nossa diferença com animais e justifique para nós mesmos que somos especiais.

No caso de nosso cérebro, apesar dos aspectos anatômicos, fisiológicos e evolutivos explícitos, há duas coisas que conclamamos para nós mesmos com fervor: (1) a existência de uma mente (incluo aqui raciocínio lógico, cognição extensiva, pensamentos abstratos, estética e religiosidade) e (2) linguagem (falada e escrita).

Como muito bem escreveu Harriet Swain (2010) a editora da Times Higher Education: “para uma qualidade que é tradicionalmente associada à mente, a inteligência desencadeia emoções fortes”.

Em qualquer métrica que usemos, sim, nós somos os mais inteligentes seres hoje na Terra. Chegamos a conviver com outra espécie com uma mente semelhante à nossa, Homo neanderthalensis, mas esta está extinta há alguns milhões de anos... Há indícios de que nós fomos responsáveis por essa tragédia! Afinal, entre nós mesmos, estamos cheios de exemplos na história dos genocídios que causamos contra culturas humanas em nossos delírios de “significados”. Por exemplo, ouro é um metal com suas propriedades físicas e químicas. Toda a sua preciosidade está no significado estranho que nós mesmos criamos para esse metal a ponto de assassinar milhões de pessoas e destruir ambientes inteiros. O mesmo vale para as convenções atuais do dinheiro, especulação financeira e seus índices, “acumulação de excedente” e a exploração assalariada (quando antes foi escravizada) da maioria dos povos, os chamados sixty bottom (60% mais pobres), por uma minoria dita top one (o 1% mais rico do mundo).

Sim, nenhum animal que existe neste planeta atualmente, além de nós mesmos, possui uma “mente” assim tão... “complexa”!

Já a linguagem nem foi abordada nos posts anteriores porque é uma das ditas “pedras angulares da identidade humana” (Coughlan, 2010). Um dos textos recentes que li sobre esse assunto começa assim: “sabemos falar; os macacos não sabem. Por quê? Explicar a linguagem continua sendo a grande pergunta da evolução humana. (...) Quanto mais aprendemos sobre a comunicação animal, mais misteriosa se afigura a linguagem humana” (Miller, 2010).

As hipóteses iniciais do século XIX descreviam um cenário evolutivo onde a linguagem não evoluiu em nenhuma outra espécie de primatas parecidos com os humanos, mas unicamente em nossa espécie, há 40 mil anos, e evoluiu para partilhar conhecimento nos grupos. Uma vez evoluída, inventamos rapidamente a cultura e a civilização. Contudo, os dados que obtivemos no século XX contradizem esse cenário da seguinte forma: (1) a linguagem evoluiu desde nossa origem, é inata e talvez date até um pouco antes de nós H. sapiens, tendo em vista que é possível dos H. neanderthalensis também falassem; (2) por estar ligada à nossa evolução, a linguagem deve ter surgido conosco no leste da África há pelo menos 100 mil anos; (3) ela evoluiu em um misto de (a) extensão do comportamento de catação, uma socialização primata para grupos compostos por mais de 100 indivíduos, e (b) seleção sexual mútua – homens e mulheres selecionaram os parceiros mais “inteligentes” pela capacidade de linguagem (um indicador particular de inteligência e esta é essencial para sobrevivência humana) (Miller, 2010).

A linguagem encontrada até agora nos animais, mesmo em baleias e golfinhos parecem ser mensagens que dizem em linhas gerais apenas: “eu estou aqui, sou macho, sou saudável, copule comigo”. Note que na grande maioria das vezes o sexo mais “tagarela” é o macho. Entre muitos pássaros e baleias as fêmeas ficam em silêncio, selecionando seus parceiros. Além dessas mensagens, outras dizem respeito a existência de predadores e fontes de alimento, informações necessárias para contribuir com a sobrevivência de parentes consanguíneos (Miller, 2010).

Sim, nós somos os únicos hoje que temos uma mente complexa que produz linguagem igualmente... complexa!

Esses são dois pilares que estão em muitos textos e discursos que nos colocam sozinhos na natureza. Como se não tivéssemos evoluído junto e a partir de outras formas de vida com as nossas conhecidas “borboletas da alma” (neurônios) e chassis neural idêntico.

Mas, falta algo aqui, percebem?!

Primeiro, somos parte da biota, apenas um pedacinho de nada dela. Só para você pegar o “feeling”, entenda que nosso alimento (vegetal e animal) só nos é possível se for deste planeta! O que precisamos (vitaminas, proteínas e carboidratos) não estará acessível para nossa digestão em seres de outro planeta, com histórias evolutivas diferentes da nossa. Isso ironicamente diz o seguinte: “não existem bananas no espaço, a menos que as plantemos”.

Segundo, devido a essa característica é que escrevi o post: [clique] os esporos reprodutivos de Gaia.

Se sobrevivermos a nós mesmos e as intempéries do tempo e espaço, na forma de humanos, seremos obrigados a reproduzir nosso ambiente em outro planeta. Não é apenas alimentação, temos um contexto ambiental maior. Nós não vamos conseguir viver em outra biota diferente desta que nos deu origem, desta que fazemos parte. Além da alimentação, há outras implicações evolutivas como nosso sistema imunológico estar afinado com os agentes biológicos de nosso planeta, predadores, composição mineral da água (não basta ser apenas H2O, vocês sabem que apenas essa molécula, como na forma de nossa água destilada, ou ultra purificada dos laboratórios, não mata a nossa sede), entre outras.

Tudo isso compõe um cenário nada agradável para nosso futuro. Ora porque sabemos toda a loucura absurda que estamos fazendo com nosso planeta e com nossos irmãos humanos (exploração capitalista do inferno), ora porque a Terra não irá durar para sempre! Mesmo os números sendo completamente contra a nossa existência (não há registro de espécies animais que tenham vivido acima de milhões de anos, a Terra ainda irá ter pela frente bilhões!), sonhamos um sonho da espécie, ou parece mais um sonho do próprio planeta: temos que encontrar outra casa, levar conosco todas as espécies que possamos e refazer (reproduzir) a Terra em outro lugar.

Esse imperativo que escrevo aqui não é apenas uma ficção minha, pelo contrário, está afinado com a hipótese do paleontólogo britânico Simon Conway Morris (2003), na qual a evolução biológica produz necessariamente as mesmas formas complexas baseadas na sobrevivência possível dos habitats disponíveis. É a tal convergência e paralelismo na evolução que chamamos “analogia”, ou mais precisamente “homoplasia”: formas e funções semelhantes que evoluíram independentemente. Exemplo, todas as formas aquáticas que são ótimas nadadoras possuem um corpo fusiforme. Sejam peixes, répteis ou mamíferos, todos parecem entre si, mas possuem a forma do corpo similar, mas não de origem comum (essa característica para esses grupos não é homóloga, não é uma sinapomorfia).

Do mesmo jeito da forma fusiforme, um cérebro avantajado, com grande capacidade cognitiva geral e linguagem falada, evoluiu até agora, pelo menos duas vezes entre os primatas: Homo neanderthalensis e H. sapiens. Os primeiros estão extintos!

Nós podemos ser os próximos seres inteligentes extintos. Diferente dos H. neanderthalensis e todas as outras formas de vida, há uma grande probabilidade de nós mesmos atentarmos contra nossa existência, por nossas próprias mãos. Nós, criaturas inteligentes, poderemos cometer suicídio enquanto espécie.

Já li em textos sobre universo, que talvez a inteligência que leve a civilizações possui como característica intrínseca sua própria autodestruição. Todavia, até o momento, só conhecemos a nós mesmos com essa capacidade e parece que mesmo com uma amostra tão pequena, queremos generalizar uma característica nossa para todo o universo.

Se destruirmos a nós mesmos? Pelos dados que possuímos sabemos que os perdedores (losers) seremos apenas nós! A vida seguirá adiante e, segundo a hipótese de Simon Conway Morris (2003), outras espécies inteligentes irão nos suceder.

Afinal, não estamos sós neste planeta, há outras inteligências nele.

Outro ponto importante vem sendo levantado há décadas e diz respeito ao início deste post e o final do anterior. Podemos ser transitórios mesmo, como Nietzsche esboçou, uma ponte por cima de um abismo. A diferença que ao invés do homem para o super-homem, provavelmente teremos algo do homem para a máquina!

Ficção científica que todos nós conhecemos na literatura, filmes e músicas. Como se fossem uma percepção profética coletiva, começamos a escrever histórias e até cantar sobre isso, de repente: DEUS EX MACHINA.

Dessa “viagem” para a realidade, apesar de ainda estarmos longe de termos máquinas pensantes feitas por nós, as pesquisas sobre robótica e inteligência artificial são campos sérios e com resultados em desenvolvimento.

Mais ainda, o renomado cientista brasileiro Miguel Nicolelis desenvolveu ao lado do Nobel norte americano John Chapin a interface cérebro-máquina (brain-machine-interface). No início da década de 1990 estudaram o estímulo em uma vibrissa (“um pelo de bigode”) de rato registrando o que 100 células nervosas mostravam sobre esse estímulo. Após os primeiros resultados conseguiram literalmente “ler” o código neural e enviar uma mensagem de um corpo biológico para um robô. Deu certo! Um macaco nos Estados Unidos “pensou” em mexer um braço, esse pensamento foi enviado por cabos de fibra óptica para um braço robô no Japão e este executou o movimento! Sendo assim, o pensamento, pelo menos aqui como um sinal simples e codificado, pode ser enviado fora do corpo, ser interpretado por um computador e transformar-se na ação de uma máquina. Um aspecto interessante, é que a “energia cerebral” é eletroquímica e cerca de 40% dela é linear. Duas coisas, a primeira é que modelos lineares simples conseguem extrair informação suficiente para fazer um braço mecânico reproduzir o movimento. Segundo, a transmissão do potencial de ação do macaco nos Estados Unidos para o robô no Japão e deste de volta levou 210 milissegundos. O potencial de ação do mesmo macaco para chegar ao seu próprio músculo, fazendo-o se mexer, levou 240! Uma vantagem de 30 milissegundos (Varella e Nicolelis, 2008). Fora de nossos corpos biológicos, nas nossas máquinas com fibras ópticas, o pensamento se torna mais rápido, o sinal segue literalmente à velocidade da luz!

Nas palavras de Miguel Nicolelis (em Varella e Nicolelis, 2008): “na minha opinião, o que a interface cérebro-máquina realmente criou foi a possibilidade, pela primeira vez, de que a intenção de agir no mundo já não esteja limitada pelo corpo, pela maquinaria biológica. Ou seja, como no experimento que fizemos em janeiro, uma pessoa pode pensar uma ação aqui no Brasil e um robô irá executá-la no Japão”.

Se alguém me falasse algo assim alguns anos atrás pensaria que era pura ficção e diria: “eu já tinha li isso, não é uma daqueles contos copilados pelo Isaac Asimov na série ‘Histórias de Robôs’?!”

Não, dessa vez é pura realidade!

Talvez sejamos uma ponte entre nós e algo maior que virá. Não podemos sair deste planeta sozinhos, temos que levar o máximo representativo da biodiversidade terrestre conosco, se quisermos sobreviver. Essa tarefa é muito complexa para nós, sem contar que o espaço fora da Terra nos é letal. Máquinas podem fazer isso! Robôs podem obter energia de estrelas e minerais, seja onde encontrarem. Eles podem se reparar e literalmente viver para sempre em condições completamente fora da biota. Robôs podem ser programados para reproduzir a todos (isso inclui nós e todos os outros seres vivos), logo que encontrarem um planeta, ou planetas adequados.

Se nesse cenário sonhador encontrássemos vida inteligente, muito provavelmente entraríamos em conflito pelos recursos que precisamos. Guerra nas estrelas!

Por outro lado, as máquinas não necessariamente podem ser objetos vinculados à nossa sobrevivência em futuro longínquo. Podem ser a extensão de nossas mentes, como o que está aqui entre nós e todos os seres vivos esteja programado para povoar o universo. Digo isso sempre aos meus alunos: “é verdade, existe uma mente confirmada no universo, ela é formada por muitas formas vivas, ela está em nós... Nós somos a mente da matéria!”

Se algo assim não flutua por aí, flutuará no futuro! O universo, a matéria através de nós sente a si própria, raciocina sobre si mesma... Parece um absurdo, mas isso existe, porque estamos aqui conversando...

... Porque nós não estamos sozinhos...

... Há outras mentes na Terra conectadas com a nossa.

"Somos poeira estelar. O universo evolui, as estrelas e as pessoas evoluem. Tudo que está vivo evolui. Podemos ser o caminho rumo a uma inteligência suprema, a alguma vida suprema no universo que será quase indissociável do que chamamos de Deus" (Stanford Woosley - astrofísico da University of California - 2010: A Natureza da Existência).


Referências

Conway Morris, S., 2003. Life's solution - Inevitable humans in a lonely universe. Cambridge University Press.

Coughlan, S., 2010. Como evoluiu a linguagem? Pp. 139-146. In: Swain, H. (org.), Grandes questões da ciência. Editora José Olympo.

Miller, G., 2010. Como evoluiu a linguagem? Pp. 147-154. In: Swain, H. (org.), Grandes questões da ciência. Editora José Olympo.

Nietzsche, FW., 1995 [1885]. Assim falou Zaratustra. 8 ed. Editora Bertrand Brasil.

Swain, H., 2010. O que é inteligência? Pp. 123-129. In: Swain, H. (org.), Grandes questões da ciência. Editora José Olympo.

Varella, D. e Nicolelis, M., 2008. Prazer em conhecer – A aventura da ciência e da educação. Editora 7 Mares.

Nenhum comentário:

 
BlogBlogs.Com.Br