Igual a um filme, planejei as etapas anteriores dessa série de textos para chegar neste ponto, o clímax.
O que significa ser um professor universitário?
Em 1998 a CAPES exigiu que seus bolsistas realizassem Estágio Docência, seis meses para mestrado, 12 meses para doutorado. Acredito que essa foi uma das melhores medidas tomadas pela CAPES que presenciei enquanto aluno de pós-graduação. Eu cursei bacharelado e meu único contato com a didática estava restrito à disciplina Metodologia do Ensino Superior cursada no mestrado. Um ano e meio de Estágio Docência (seis meses em 1998 e todo o ano de 2000) foi uma experiência preparatória muito importante para exercer minha profissão anos mais tarde na URCA.
Ensino, pesquisa e extensão são áreas de atividades dos professores universitários. Em seis anos de trabalho estive envolvido com cada uma delas: (1) lecionar é obrigatório (ministro aulas da graduação ao mestrado), (2) pesquisar, como vocês leram anteriormente, está no centro de meu interesse profissional e (3) um pouco de extensão em 2005, quando participei como coordenador e professor no projeto Fazer Ciência – MEC/ URCA para capacitação de professores do ensino médio em aulas práticas laboratoriais.
Oriento alunos na Iniciação Científica e no Mestrado da URCA. Devido à minha história e características próprias, muitos daqueles que passaram e estão ao meu lado no Laboratório de Zoologia eu os considero como amigos e companheiros de trabalho. Todos são bolsistas (FUNCAP, CNPq e CAPES), inclusive eu!!! Tenho bolsa, agora de produtividade da FUNCAP no programa de Bolsas de Produtividade em Pesquisa e estímulo à Interiorização – BPI (processo BPI-0112-2.05/08).
Em 2005 aproveitei a aprovação de meu primeiro projeto de pesquisa na FUNCAP (Programa Primeiros Projetos – PPP) para realizar estágio de pós-doutorado na UFRN com supervisão da Professora Eliza Maria Xavier Freire (conhecida carinhosamente como Juju). Foi algo muito ambicioso para mim, além dos artigos (foram seis em um ano), cheguei a me inscrever no concurso público na própria UFRN, mas não fui realizar as provas. Havia muito em jogo para mim. Caso conseguisse passar, provavelmente iria me divorciar e afastar-me, pela distância geográfica, de meu filho, essas coisas. Como muito bem comentou meu amigo Emmerson no post “Crônicas universitárias: mestrado”, nós não somos movidos apenas por um amor puro e platônico à ciência. Características sociais, econômicas, culturais e emocionais estão sempre no cerne de tudo.
Apesar de ser jovem na universidade, diversas vezes assumi cargos administrativos, fui Sub-Chefe (2005) e depois Chefe do Departamento (2006) e até o início deste ano ocupava o cargo de Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa (2007-2009). Tentei ser o meu melhor nessas funções, mesmo que na resolução de conflitos e problemas administrativos nem sempre temos que dizer “sim” para as demandas e urgências do dia a dia.
Esses tempos de administração foram muito desgastantes para mim, especialmente nesses dois últimos anos (2007- 2009). Afastei-me quase por completo do Laboratório e os dias de despachos, análises de processos e uma quase infinidade de reuniões não eram atividades que possam substituir meu amor à ciência e afins.
Mesmo com pedidos do atual reitor para que eu permanecesse, resolvi não mais ocupar atribuições administrativas por um bom tempo. Agradeci em carta a ele, à minha secretária Angélica e todos os professores que estiveram ao meu lado na pró-reitoria. Sinto orgulho dos projetos aprovados, Projeto Estruturante BIOFAR CE - FINEP/FUNCAP - Edital CONV ESTADOS -MCT/ FINEP Ação Transversal – PROJ EST 12/2007 convênio nº 01.08.0471.00 e Projeto de Estruturação do Laboratório Multi-Usuário de Bioprospecção de Produtos Naturais - Edital MCT/ FINEP/ CT-INFRA – PROINFRA – 01/2007 convênio nº 01.08.0430.00, e ações realizadas nesse período: implantação do Mestrado em Bioprospecção Molecular, avaliação e implantação de bolsas de IC da URCA, FUNCAP e CNPq, as duas Semanas de Ciências da URCA, a criação do Centro de Documentação Histórica e do Laboratório de Pesquisa em História, a pós-graduação Lato e Stricto sensu.
Meus dias de paz, meus dias de luta!!!
A universidade pública brasileira
Ser funcionário público tem a grande vantagem da estabilidade no emprego. Entretanto, como em qualquer outra função, ou emprego, há diferenças entre instituições, regiões e regimes administrativos (se federal, estadual, ou municipal). A comparação pode não ser boa, mas é a forma metafórica mais atual que tenho usado. Por exemplo, Moré é um excelente jogador de futebol. Ele é o atacante do Icasa, time que torço aqui no Cariri. O Icasa passa por dificuldades financeiras e temo como torcedor a possível perda dos melhores jogadores para outros times... “Brasil afora”.
A maioria dos maiores times de futebol está nas regiões sudeste e sul do país. Essa geografia reflete não apenas esporte, mas a política e economia brasileira. Mesmo assim, vemos a perda de nossos melhores jogadores do Brasil para times europeus, que pagam muito melhor do que nós... “Mundo afora”.
As universidades públicas brasileiras são muito parecidas com esse quadro do futebol. Nossos melhores professores podem iniciar suas carreiras em instituições comparativamente pequenas, depois migrar através de concurso público para maiores... “Brasil e Mundo afora”.
Estou no centro da região nordeste, a proximidade do Crato com a Chapada do Araripe dá à cidade um clima ameno na maioria dos meses do ano. Da mesma forma, são as mais de 100 fontes de água da Chapada do Araripe responsáveis pela riqueza hídrica da chamada região do cariri cearense.
Fora da URCA, em outras universidades, sofri discriminação por ser professor de uma IES pequena e desconhecida do interior nordestino. Bem, não posso escrever o nome do professor aqui, mas ouvi até frases como “Lugares como esse que você trabalha são regidos por mediocridade, é como uma infecção, cuidado com o contágio!” Além disso, já cansei de falar do conjunto de características desagradáveis que algumas pessoas listaram para mim por trabalhar onde trabalho: “você terá os priores alunos, as piores condições de trabalho, as ações administrativas podem ser negativas ou mesmo prejudiciais quando mal conduzidas e a política local e as universidades estaduais estão em íntimo relacionamento”.
Nada animador, não é?!
Eu e vários outros professores temos lutado contra todas essas formas de preconceito. Claro, ainda bem que vem de uma minoria, pois hoje tenho grandes amigos cearenses aqui no cariri.
Tenho feito o dever de casa, por exemplo, faço questão de envolver todos os meus orientados na pesquisa com produção científica em ótimos periódicos nacionais (pe., Brazilian Journal of Biology) e internacionais (pe., BMC - Complementary and Alternative Medicine). Em seis anos orientei alunos brilhantes de vários municípios do Ceará (Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha, Iguatu e Senador Pompeu), quebrando a regra de qualquer preconceituoso contra essas pessoas que vivem no interior do nordeste. Se eu tenho uma história clássica de menino pobre que “chegou lá”, imagino as histórias maravilhosas e emocionantes que meus alunos contarão de suas vidas em futuro muito próximo.
Na URCA perdemos professores importantes recentemente. A grande quantidade de concursos pelo programa Reuni/ MEC e criações de novas IES federais não foram seguidas por uma resposta da URCA com realização de concurso para repor as perdas e ela mesma realizar seu crescimento natural. Em outras palavras, diminuímos nesses últimos anos e ficamos mais frágeis.
Aos meus companheiros que continuam formando o time da URCA sei muito bem que nada disso é fácil e exige de nós muita dedicação e até renúncias pessoais. Há uma passagem no livro “O Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei (Tolkien, JRR., 1994, vol. 3, p. 457 – Editora Martins Fontes)” que talvez resuma muito bem nossa persistência e amor à URCA:
FRODO – “Muitas vezes precisa ser assim, Sam, quando as coisas correm perigo: alguém tem de desistir delas, perdê-las, para que outros possam tê-las”.
Acho que é assim que me vejo hoje em meu trabalho.
O Icasa para mim é o melhor time de futebol do cariri cearense. Torço para que ele se torne tão forte quanto outros times, a exemplo dos tradicionais aqui mesmo do nordeste (pe., Bahia/ BA e o Sport/ PE). Eu tenho o mesmo sentimento para URCA diante de outras fortes IES brasileiras.
Passado, presente e futuro: mensagem aos meus alunos e orientados
Em 2004 vários cursos da URCA aumentaram o número de alunos que ingressam por semestre. As Ciências Biológicas passaram de 60 (30 manhã/ 30 noite) para 80 alunos (40 manhã/ 40 noite). O total por ano hoje é de 160 alunos na Biologia e esse aumento não foi seguido pela melhoria em infra-estrutura, tão pouco do aumento no número de professores.
Meu problema pessoal é que eu sei quem são meus alunos, pois acompanho o resultado dos perfis sociais nos manuais dos vestibulares. O aluno médio da URCA é de família pobre, assim como eu! Contudo, a diferença é que passei para uma universidade dominada pela “classe média”. Na URCA um aluno com recursos assim é exceção!!!
São similares de minha realidade multiplicados às centenas de vezes!!! Eu tenho orgulho de ser professor dos filhos desse meu povo:
Eu estou sempre com o máximo de bolsistas permitido. Hoje em dia são três de Iniciação Científica e três de Mestrado, ou seja, apenas seis alunos. Entre centenas e centenas, só posso contribuir na formação de seis pessoas. Isso não é por semestre, porque tanto os de Iniciação, quanto os de Mestrado ficam em média dois anos sob minha orientação. Bem, mas se houvesse um maior número de professores na Biologia que atendesse pelo menos a 1/6 dos alunos de nosso curso, seria um número significante. Hoje dos aproximadamente 640 alunos matriculados, cerca de 23 são bolsistas (apenas 3,6%).
Conseguir uma bolsa de IC (PIBIC/ CNPq, FUNCAP e URCA) é muito concorrido na URCA, por isso, aconselho sempre os alunos a fazerem suas escolhas: (1) pelas grandes áreas que lhe tiverem afinidade e vocação (ecologia, zoologia, botânica, paleontologia, bioquímica, química orgânica e farmacologia), (2) escolherem professores com afinidade de personalidade (não adianta de nada tentar iniciar um estágio em pé de guerra ideológico com seu orientador, exemplo, criacionismo vs. evolucionismo) e (3) ter paciência, persistência e até humildade pelos seus objetivos.
Por outro lado, o sistema é falho, tal qual são as pessoas... afinal, somos todos humanos demasiado humanos. Por exemplo, selecionei cada um de meus orientados, mas isso não quer dizer que acertei sempre. Sei que é difícil ver um aluno muito bom sem oportunidade e outro mediano com tudo em suas mãos. Martin, meu orientador, certa vez me falou que deixava a seleção natural das coisas seguir seu rumo espontâneo. Segundo ele, os melhores alunos sempre conseguem encontrar um caminho, sempre vencem!
De minha parte, ao estilo de Capiba, eu digo assim: não desista, mesmo diante de tantas dificuldades, “nós somos madeira de lei que cupim não rói”:
As crônicas continuam... em cada um de vocês!!!
Obs.: Vem aí a série O SIGNIFICADO DAS COISAS... Aguardem!!!
2 comentários:
Meu amigo, você poderia até morar na pró-reitoria, mas por mais do que fizesse, o reitor é omisso e desorganizado, você sabe disso.
A prova é que depois que você saiu, ele colocou em seu lugar uma pessoa que no mínimo é alheia aos problemas daquela pró-reitoria. Ou seja, colocou um omisso como ele na PRPGP.
Abraço.
Eu sei, camarada!
... e como sei!!!
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