sexta-feira, 5 de junho de 2009

O significado das coisas: entre o status e a inveja

Como vimos no post anterior, coisas são necessárias para nossa sobrevivência. Associado a isso existe as campanhas publicitárias que decorrem de estudos científicos sobre como usar nosso comportamento humano instintivo e social para promover ilusões de necessidades.

Há um lado bom nisso. Algumas marcas de fantasia se misturam com suas próprias empresas/ indústrias e nos trazem a sensação de segurança na qualidade de seus produtos. Entretanto, quem não ficou surpreso quando soube da adulteração do leite de marca famosa com adicionamento de soda cáustica?! Acho melhor acreditar que devemos ter órgãos de fiscalização eficazes para nossa proteção contra a fraude das coisas. Afinal, adulterar alimentos e remédios deveria ser crime semelhantes à tentativa de assassinato.

Escrevi sobre os extremos de hoje, porque ouro em comida acho insulto demais. Por outro lado, há uma outra categoria de coisas que não está ligada diretamente à nossa sobrevivência. Elas identificam
status e estão ligadas aos padrões de beleza culturais variáveis (a “moda”). Em outras palavras, tudo o que nos dá bem estar deve ser levado a sério para termos uma boa saúde. Entretanto, adoecer de raiva por não comprar aquele jeans famoso, ou até matar para conseguir um “tênis de marca” é aqui o tema deste post.

Antes de prosseguir esclareço o seguinte: compomos uma única espécie (
Homo sapiens), somos todos humanos, mas cada um por sua vez possui individualidade e diferenças de aptidão. Mais ainda, não tiremos da mente que somos animais sociais e vivemos em estruturas baseadas em hierarquias. Isso é um determinante genético, mas moldado por efeitos epigenéticos da própria estrutura social de nossos grupos. Ou seja, nem nós, nem os chimpanzés temos um sistema de castas fixo e fatalista. Chimpanzés literalmente elegem seus líderes e caso esses mesmos líderes se tornem tirânicos, a mesma maioria que os elegeu irá depô-los. Nesse contexto, leituras como o livro “Eu, primata” (Frans de Waal, 2007. Companhia das Letras) deveriam ser obrigatórias para qualquer pessoa que ocupe uma posição de liderança.

Entre os chimpanzés, ocupar a função alfa em um grupo requer toda uma conjuntura de comportamentos e situações. Em humanos isso vai aos extremos, porque somos animais de cognição subjetiva exacerbada (outros escreveriam “complexa”). Nesse contexto, todas as culturas na história humana apresentaram coisas dotadas de símbolos de representação subjetiva para
status e poder das posições na hierarquia do grupo. Colares, brincos, peles, pinturas corporais sempre foram usados como sinais de identificação social e beleza em homens e mulheres.

Identificar-se através de utensílios simbólicos como um dos melhores guerreiros (por exemplo, a lança feita de ossos de mamute do filme 10.000 BC), pode ser semelhante a usar terno e gravata dos executivos, políticos, etc. Todavia, os contextos sociais são muitíssimos diferentes. Hoje em dia jóias, roupas, sapatos e até o tipo de bebida alcoólica em sua mesa podem identificar quem você é, ou pelo menos levantar hipóteses bastante fantasiosas.
A grande maioria de nós acha que as pessoas de poder (isso quer dizer hoje, muito dinheiro) irão aparecer entre nós vestidas de forma diferente com acessórios de beleza inatingíveis aos comuns, por exemplo, com relógios Rolex.

Isso é um tipo de estereótipo das massas incorporado pelo que chamamos "classe média alta" e nos “novos ricos” (ambas classificações equivocadas). Afirmar-se e incorporar uma posição social baseada em quinquilharias extravagantes é reconhecidamente cafona... e tem o efeito contrário, demonstra a origem de dificuldades financeiras, a pobreza que não saiu dos desejos das coisas supérfluas.

Por exemplo, quando homens comuns caricaturam mulheres de posse, normalmente os cartoons são assim:

Pura ilusão... semelhante às paredes das borracharias e propagandas de bebidas alcoólicas! Segundo Conniff (2004): “Com freqüência, as pessoas que estão no alto da hierarquia são seguras demais para sentir qualquer ameaça, ou espertas demais para demonstrarem o que sentem. (...) A exibição pode perder status, na verdade, na medida em que seja compreensível para as massas ignaras. (...) As melhores exibições são feitas numa linguagem privada, que só é conhecida por outros milionários. Uma mulher elegante pode usar um broche que, para a maioria dos olhos, parece ser aço. Mas as pessoas certas saberão que, na verdade, a dona do broche foi comprá-lo em Paris, numa lojinha da Place Vendôme que parece falida, com veludo malva desbotado nas vitrines e nenhuma jóia à mostra, nem tão pouco qualquer letreiro, exceto pela gravação ‘J.A.R.’s’ em vidro espelhado no alto. Ali numa escrivaninha coberta de couro azul surrado, um joalheiro chamado Joel A. Rosenthal tem encontros privados com as mulheres mais ricas do mundo e exerce a arte singular de dar a platina à aparência do aço, e de fazer safiras cor-de-rosa passarem por ametistas corriqueiras. Seu trabalho é tido como arte, mas só as outras pessoas capazes de pagar por ele adivinhariam que uma peça típica pode sair por 30 mil dólares. (...) Surge uma tendência a excluir do sistema os componentes mais baixos da população, até como espectadores cujo aplauso ou humilhação se deve buscar. Ou seja, para os ricos querer impressionar um estranho na rua faz tão pouco sentido quanto um pavão querer impressionar um cachorro” (Conniff, R., 2004: 208-209. A História natural dos ricos. Editora Jorge Zahar).

De cima para baixo na hierarquia, nossos símbolos obedecem às modas que sucedem às gerações e ao tempo. Seu automóvel, o tipo de relógio que usa, o tênis, o jeans desbotado, o celular... a caneta tinteiro de prata, quando tudo isso possui as “marcas certas”, estarão em uma sintonia de detalhes minimamente observados, desejados e invejados!!!

Um pequeno parêntese: quero deixar claro que não considero crime algum comprar coisas de qualidade. Um bom automóvel é equivalente a uma ótima guitarra, seus preços às vezes refletem os materiais de boa qualidade, tecnologia e mesmo os impostos. O problema para mim está nos extremos, como uma guitarra de ouro (sem função alguma, apenas exibição). Além disso, algumas pessoas parecem enlouquecer, ver suas felicidades dependerem dessas coisas... Elas mesmas se transmutarem nessas coisas, ou melhor, se tornarem escravas delas.

Entre a manifestação de sentimentos negativos de desejo das coisas está a inveja do sucesso e posses de outros. Nesta semana li uma reportagem curiosa e muito interessante na
Revista Isto É, cujo título diz tudo: “INVEJA DESVENDADA: pesquisa revela que esse sentimento é processado na mesma região cerebral que a dor física”. Segundo as pesquisas divulgadas nessa reportagem "a inveja é uma emoção dolorosa [física e fisiologicamente falando] e além da insegurança, a baixa auto-estima, o sentimento de incapacidade e a sensação de injustiça são características comuns aos invejosos. É um sentimento muito antigo, que está lá em nossa psique ancestral. Quando isso é positivo fica na esfera da admiração, mas nos casos negativos podem ser bastante destrutivos. Uma pessoa invejosa e hostil quando não consegue ser igual ao objeto da inveja, ou tiver o que ele tem, parte para cima do invejado com a intenção de derrubá-lo. É como se pensasse “se eu não posso ter, você também não terá”. Nesse jogo vale tudo: calúnias, armações, perseguições e, em casos mais extremos, o desejo de morte (Jordão, C. e Rabelo, C., 2009: 68-73. Revista Isto É. 3 JUN/ ano 32, no. 2064).

Click e assista:


Coisas, pessoas e seus símbolos estão misturados em nosso dia a dia e se vivemos em uma era dos extremos, isso sempre estará exagerado e sem medidas reais. Uma luta de classe e revoluções são compreensíveis mediante o sistema de exclusão social em que vivemos. Entretanto, ser agredido fisicamente, ou até assassinado por causa de um "tênis da moda" é algo fora do comum. De certo, temos exemplos clássicos na literatura como o assassinato de Déagol por Sméagol em "O Senhor dos Anéis". Mas, o anel da discórdia (a coisa desejada) entre esses personagens era mágico e poderoso, a inveja e o assassinato de Déagol não podem ser comparados a matar alguém por causa de um "tênis" na vida real:

Não gosto desses programas de fim de tarde sobre "rinhas familiares", entretanto, sobre essa categoria de coisas de consumo tenho a mesma opinião da Regina Volpato:


Por isso é muito importante sempre ter em mente o verdadeiro significado das coisas.

São apenas coisas!!!

6 comentários:

Unknown disse...

Waltécio, o pior é que nós assistimos todos os dias, pessoas serem tratadas como coisas.
E certas coisas, serem mais bem tratadas do que as pessoas.

Triste mundo humano.

Waltécio disse...

No próximo post abordarei o mundo humano. Onde surgimos como Homo sapiens não havia nada disso.

Sartre falou uma vez que o inferno eram os outros... Mas, a felicidade também. Trocar pessoas por coisas é um sintoma de uma sociedade doentia.

Saudações comunistas!!!

Tassos Lycurgo disse...

Diz-se nos ambientes de estudo dos Direitos Humanos que a principal diferença entre pessoas e coisas é a seguinte: coisas têm valor econômico e pessoas têm dignidade. Às vezes, dão-se dignidade às coisas e valor econômico às pessoas. Neste ponto, tudo saiu do controle.

Waltécio disse...

Verdade bem escrita, Lycurgo.

Vivemos uma estranha era de extremos.

Abraço,

Waltécio

Dihelson Mendonça disse...

Prezado Waltécio,

Parabéns pelo excelente Blog, impressionante, que nos leva a questionamentos importantíssimos que essa sociedade embevecida pela estupidez, pela cachaça e pelo forró eletrônico não percebe. Tenho diversos artigos também sobre temas correlatos, além de agora estar lançando meu CD "A Busca da Perfeição", trabalho que reúne Música, Fotografia, e Pensamentos sobre os grandes questionamentos existenciais em um livro fotográfico e artístico de 100 páginas.

Gostaria de convidá-lo a fazer parte da nossa Rede Blogs do Cariri, e trocar Links com o Blog do Crato e JORNAL CHAPADA DO ARARIPE. Aliás, estes artigos são tão pertinentes, que teríamos prazer em publicar em nosso Jornal.

Um grande abraço, aguardo seu retorno:

Dihelson Mendonça

blogdocrato@hotmail.com

JORNAL CHAPADA DO ARARIPE
www.chapadadoararipe.com

BLOG DO CRATO:
www.blogdocrato.com

REDE BLOGS DO CARIRI:
www.blogsdocariri.com

Waltécio disse...

deWaltecio Almeida waltecio@gmail.com
paradihelson@yahoo.com
data11 de junho de 2009 06:03
assuntoConvite aceito

Prezado Dihelson,

Agradeço o convite fe todos os elogioso feitos por você em meu Blog. Eu não sei se realmente agrado, acho que tenho uma intenção similar ao Blog do Saramago, apenas escrever, dar opiniões bem pessoais sobre assuntos que me pertubam o espírito.

Será um grande prazer escrever e ter alguns de meus textos publicados no Jornal Chapada do Araripe. Caso queira uma resenha sobre um assunto específico, um tema polêmico, por exemplo, conservação do meio ambiente no mundo e na América Latina (com destaque para nós brasileiros), ou outros mais ligados ao nosso cotidiano peço que me avise e vou cá escrevendo.

Gostei de saber e encontrar outras pessoas que não se rendem facilmente ao fenômeno social imediato sem uma crítica prévia. Na conversa dos comentários mais recentes com meu amigo, prof. Tarso Lycurgo (UFRN), deixei claro minha intenção nesses últimos posts: "Nós não conseguiremos mudar algo dessa magnitude tão facilmente. Contudo, é nosso dever expor idéias... sobretudo, porque há outros como nós. Até Nietzsche sabia que sua filosofia não era para todos. Não estou comparando os textos que escrevi à opinião desse filósofo, porque nunca chamarei ninguém de superior apenas por concordar com o que penso. Mas sei que há os espíritos sensíveis... Pessoas que não estão amarradas à alienação das massas. É para elas que esses textos são escritos!!!"

Eu não tive oportunidade de ler seus textos, peço até o link dos mesmos, caso estejam na internet. Também já peço meu exemplar de seu CD "A Busca da Perfeição", apenas mande-me a forma de pagamento, ou onde posso comprá-lo.

Bem, convite aceito, espero contribuir um pouco para o Jornal Chapada do Araripe o máximo que meu tempo dispor.

Um grande abraço,

Waltécio

 
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