sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Vida de Doutor: Rockstars

Quem sonha começar uma carreira acadêmica não imagina que isso implica na dedicação de toda uma vida. No post anterior deixei claro que no Brasil se leva em média 10 anos para se formar um doutor. Depois disso, há a sobrevivência com prioridade para os concursos seguida de bolsas de Pós-Doutorado, Desenvolvimento Científico Regional – DCR e outros programas de pesquisa com bolsas para doutores.

Após passar em um concurso, eis que o jovem doutor é apresentado ao seu plano de cargos, carreira e vencimentos.

Vos lá, por exemplo, eu sou Professor Adjunto e no próximo mês entregarei meu memorial para avaliação de desempenho e ascender a Professor Associado. Quando ingressei no magistério superior tinha uma impressão do que vem a ser esses adjetivos classificatórios. Nas IES federais correspondem diretamente à titulação, simples assim: Auxiliar (Professor Graduado), Assistente (Professor Mestre), Adjunto, Associado e Titular (Professor Doutor, ou Livre Docência).

Nas IES estaduais e municipais pode haver uma correspondência completa, ou não, devido a legislações diferentes. Por exemplo, o antigo Regimento da Universidade Regional do Cariri – URCA/ Ceará permitia que Professores Graduados ocupassem cargos de Auxiliar até Adjunto. Isso só mudou em 2007 com a aprovação pelo Governo do Estado do Ceará de nosso atual Plano de Cargos, Carreira e Vencimentos. Todavia, devido isso ser relativamente recente, ainda existe muitos professores Assistentes e Adjuntos com graduação e a correlação entre o cargo e titulação acadêmica ainda levará alguns anos para ficar semelhante às IES federais.

O curioso é que a maioria das pessoas não entende o que significa ser classificado de Auxiliar até Associado. Além da titulação, grande parte das pessoas pensa apenas em diferenças salariais. Essa classificação na verdade reflete uma hierarquia secular das universidades européias e norte-americanas, cuja estrutura nós copiamos no Brasil. Esses adjetivos de Auxiliar até Associado são definidos assim em função do Professor Catedrático, o Titular.

É assim, Professor Auxiliar ao Titular, Professor Adjunto ao Titular, Professor Associado ao Titular. Os titulares, no papel e teoria, são os pilares de tudo e representam o ponto mais alto que se pode chegar à carreira do magistério superior.

Escrevo “no papel e teoria”, porque comumente vemos poucos os Professores Titulares. Às vezes, são selecionados em concurso público um Titular para um Centro e para diversos cursos, ou curso algum (sendo designado para toda a universidade). Em casos mais “extremos” pode não haver professor Titular algum na universidade, como a URCA do exemplo anterior, onde ocupo cargo de Adjunto a nenhum professor Titular.

Exemplos assim são de natureza bem brasileira de ser algo perfeito no papel (Constituição) e, em muitos casos, na prática, somos mesmo é um país de “jeitinhos” mal feitos.

Eu sou Adjunto, em breve Associado, a Titular nenhum!!!

Por outro lado, as categorias que citei podem realmente refletirem nada mais do que tempo de serviço e aumento salarial, conforme a progressão.

Eu compreendo o doutoramento em si como um treinamento para pesquisa e faço sempre alusão metafórica a uma escola de artes marciais, ou de atiradores de elite. Após conclusão do treinamento todos são faixas pretas, ou matadores precisos. Isso é teoria, porque na prática, pode-se muito bem receber o treinamento e depois não exercer a função aprendida. Isso mesmo! Alguns podem não lutar, não atirar no exemplo da metáfora... Simplesmente em palavras da realidade: não publicar!

Então se desenvolveu, por esse e outros motivos, formas de avaliar os doutores pesquisadores. A ciência de hoje possui sua métrica com índices de Fator de Impacto, Fator H e, na pós-graduação brasileira, Qualis Capes. Não basta ser doutor, nem tão pouco em qual categoria se esteja, se quiser realmente fazer a diferença, tem que entrar nesse mundo... nem que se desenvolva neuroses e manias.

Lembrem dos posts:

[clique] Neurose acadêmica

[clique] Neurose acadêmica não tem cura

Ok! Não há nenhuma fórmula garantida, vou listar algumas sugestões mais comuns que ouvimos nos corredores das universidades:

(1) Publicar aos montes é necessário, mas deixe um tempo para trabalhar nos artigos de maior relevância que irão causar modificações de verdade no conhecimento.

(2) Publicar aos montes é necessário, mas tem que haver um tempo para sintetizar o melhor de tudo em livros, afinal, são eles que têm impacto mais amplo na população.

(3) Publicar aos montes é necessário, mas deve haver um tempo para realizar divulgação científica, afinal, ninguém se torna conhecido sem isso.

(4) Por fim, publicar aos montes não é necessário, mas sim dedicar tempo para artigos de maior relevância, livros sínteses e divulgação científica.

Bem, em todo caso, dá para notar que “quem não publica se trumbica” (imitando aqui o Chacrinha)!!!

Feito o dever de casa, o resultado normalmente é uma carreira acadêmica com progressões hierárquicas e produtividade, eis a Vida de Doutor. Mas isso tem muito haver com a capacidade de orientação, porque conforme envelhecemos, várias coisas acontecem:

(1) A nossa criatividade diminui com o tempo e o apego as hipótese publicadas aumenta.

(2) Nosso tempo para pesquisa é cada vez menor devido às aulas e encargos administrativos.

Assim, é neste ponto que entra a atividade mais importante para um doutor na universidade: orientação. É importante para nós doutores, porque funciona como um “upgrade” de criatividade e vontade de trabalho (“fome por publicação e sobrevivência”). É muitíssimo importante para os orientados, pois o convívio com quem sabe jogar, geralmente produz os craques do amanhã.

Um pesquisador e seus orientados são parecidos com uma banda de rock e seus fãs. Afinal, bandas de rock e equipes científicas são compostas por pessoas e estas possuem padrões de comportamento, como todo ser biológico. Nossos trabalhos publicados são como composições. As que são mais citadas, tornam-se os “hits” (clássicos) da carreira e formam a base do desenvolvimento desse “estilo”, ou mesmo a repetição do que já foi feito.

Esse paralelo entre “rockstars” e pesquisadores renomados tem outra face. Todos passam por uma fase de “quebra da criatividade”. Imaginem o Pink Floyd forçado a lançar um disco novo todo ano? Pois é, nem esse gigante do rock progressivo conseguiria. Sem contar fazer de cada álbum um novo “Darkside Of The Moon”?! Não dá! A história dessa banda tem como referência seus grandes trabalhos e outros nem tanto assim. Além disso, toda banda quando está em período entre lançamentos, solta álbuns “ao vivo”, ou “compilações (“The Best Of...”) comemorativas.

Somos assim muito semelhantes. Publicamos uns trabalhos relevantes, que fazem a nossa “fama” e outros artigos nem tanto assim. Entre uma safra de publicação e outra, saem uns “artigos de revisão” (os “reviews”, muito parecidos com os “The Best Of...”).

Quando tudo satura, quando tudo congela, é necessário um tempo sem fazer nada. Um “break out” para se pensar naquilo já feito e quais são os caminhos a seguir daí por diante.

Uma característica dos macacos é imitar comportamentos uns dos outros. Bem, nós somos macacos! O resultado disso é uma legião de cópias, uns imitando os outros. Sabem aquela banda que soa muito parecida com o Iron Maiden... Pois é!!! Toda imitação nunca será original, não é mesmo?! Isso é o que não falta na academia, aqueles pesquisadores prosaicos que repetem aquilo já feito por outro... O Iron Maiden Cover [rsrsrs]!!!

Lammarcks assalariados e rockstars, seguimos na Vida de Doutor. Ainda falta escrever sobre “a união dessas duas torres”, que gera uma Cultura Acadêmica daquelas na qual é mais fácil ser ateu do que não gostar de Caetano Veloso. Esse será o tema do próximo post... Até lá!!!

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