Macaco Alfa

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O Fim


Perdi a conta das vezes que estive em frente ao computador com anotações para desenvolver novos textos para meus blogs (Macacos Alfa e Ômega).

Até tentei reinventar tudo propondo textos curtos e upgrades das coisas que já escrevi antes. Bem, mas não deu! Ora porque estava cansado, ora porque simplesmente os textos não saiam. Acho que minha motivação na estava em sintonia com a criatividade.

Eu sou um homem ordinário, pra lá de comum. Este blog atesta isso, porque hoje eu tenho certeza que ele surgiu como sintoma de minha crise de meia idade. Rever o passado, falar das coisas que se gosta, tentar se reinventar e fazer algo que não fiz, tudo é expressão da mesma coisa quando chegamos próximo aos 40 anos.

Nesses anos que passaram progressivamente meu coração acalmou. Sem contar que muitas das coisas que me afligiam, por exemplo, a neurose da métrica científica, hoje tiro de letra, porque perderam o “peso” existencial que possuíam.

Em certo dia neste ano acordei sozinho na cama. Eu não sei o porquê, mas estava sorrindo. Fui ao banheiro, fiz meus exercícios (sim, eu faço flexões e alongamento no banheiro), tomei meu banho, sentei-me à mesa para o café da manhã... E no caminho para meu trabalho na universidade, olhei para o céu límpido, de um azul celeste bebê e profundo... Eu olhei para o Sol e notei que ainda estava sorrindo.

Amo estar vivo!

Eu sou um pedacinho de matéria que sabe de onde veio, o que é e porque está aqui. Eu encontrei minhas respostas existenciais... E, pela primeira vez, isso me fez muito feliz.

Há um texto antigo aqui no qual eu estava procurando encontrar em mim aquele professor universitário que sonhei ser (Sobre encontros, professores, vaidades e rivalidades). Na verdade, hoje eu sei que não foi uma única vez que olhei pela sala de aula de minha vida e vi a mim mesmo lá fora. O meu segundo encontro comigo mesmo eu realizei ao ver meus alunos cursando doutorado e os mais jovens falando alto no laboratório: “vamos publicar mais um artigo do caralho”! “Hurra, passei no mestrado”! “Eu serei doutoradaaaaa, passei no doutorado”!!!

Neste ano completo 41 anos, sigo agora caminhando para os 50 anos e, claro, essa marcha quero fazê-la lenta, no estilo “slow science”... E é assim que chegamos a este o último post. Eu não quero mais ter blogs. Ficará aqui as ideias e os fatos... Mesmo que tudo mude (e mudará), mesmo que necessitem apenas serem atualizados. A empatia entre animais apontada por Frans de Waal, a solução da vida segundo Conway Morris, a importância da música para nós chimpanzés humanos no comparativo feito por Jared Diamond com as aves, como nosso corpo foi moldado pelo uso do fogo na hipótese de Richard Wrangham, há muito para divulgar... Divulgar além da divulgação. Mesmo assim, tudo isso e mais ainda está em livros, nas referências aqui ao lado no blog, nas bibliotecas, em PDFs para download na internet...

...Façam essa corrida, procurem as respostas, não se contentem com nenhum discurso do “eu acho isso, tem que ser aquilo", "porque eu gosto, porque sigo outros cegamente", "porque tenho gnose”... Seja livre! Alimente sua liberdade com conhecimento! Leia sempre várias e múltiplas opiniões. Mais ainda, leia ciência! Se há algo realmente construtivo no Ocidente é a ciência... Claro, ao lado da arte, porque não vivemos, por exemplo, sem música! :D

Este é meu adeus ao formato dos blogs. Continuarei a escrever meus textos técnicos para publicar, colaborarei em outros e, quem sabe, um dia vou me dedicar a fazer aqueles contos do Olavo, o Roquentin brasileiro.

Macacos alfas e ômegas vêm e vão na dinâmica social, mas é o grupo, a coletividade que sempre permanece.

Amo meus semelhantes, amo você que esteve aqui comigo e assim, juntos fazemos o melhor que mamíferos fazem: amor de espécie!

Abraços, felicidades, realizações e um ótimo 2013 para todos.


 

domingo, 22 de julho de 2012

Dormindo com leões - Apresentação


Olá, ainda há alguém aí?!

Meses sem postar nada no Macaco Alfa para desenvolver uma nova série de textos. Não queria mais o formato longo e muito sério dos anteriores e também me perguntei o que ainda me motivaria escrever aqui. Claro, as minhas atividades como professor, orientador e coordenador do nosso mestrado também contribuíram para meu afastamento do blog.

Ao revisar o Macaco Alfa notei que hoje em dia faria alguns textos diferentes, noutros gostaria de ampliá-los com informações recentes. Na parte biográfica, aquilo que acho aos 38 anos pode ser um pouco diferente agora ao me aproximar dos 41. Por isso, decidi rever o que escrevi e trazer apontamentos do que for relevante de forma direta e o mais curta possível. Os assuntos são os mais diversos e já conhecidos por nós:  (1) evolução, (2) comportamento humano e animal comparado, (3) a magia da realidade e as propriedades da matéria e (4) minha visão de mundo existencialista, sensível em relação à vida e seu ciclo inefável. Incluirei também (5) o dia a dia atual na universidade brasileira.

Essa é a série "Dormindo com Leões", nos textos que virão tentarei demonstrar como na maioria das vezes procuro fazer as coisas que acho de maior valor em meu trabalho e ter pessoas similares por perto... Muitas vezes não dá certo e nesses momentos, quando diante de obstáculos, muitas pessoas falam de forma metafórica: "mate um leão por dia!". Com o passar do tempo percebemos que para cada leão caído, dois outros estarão em sua porta. É desse jeito! E o que perfaz nossa realidade é essa capacidade de buscar conhecimento, entender um pouco da vida e lidar com seus desafios, com esses leões.

Para as pessoas que me escreveram pedindo novos textos, eis nosso encontro de volta! Aos que chegam por curiosidade, ou porque procuram fotos e textos de assuntos diversos, fiquem conosco, vale à  pena!

Que todos tenham bons sonhos, mesmo "Dormindo com Leões":

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Vida de Doutor: Epílogo



I'm A Cliche

It's not what I needed or what I wanted, but then again
Living a lie, I couldn't go on another day
There must have been a way to busy adoring you
It's over, oh oh

I hear hello, holding on my phone and I can't recall
That I ever felt this sad in my whole life before
My blood runs cold and honestly
I feel lonely, baby, so lonely, baby

These days are just way to bright
I need a reason to believe

'Cause I keep telling myself
That we are still in love
Even though you took off and broke my heart
And letting me know that I ain't the one you're looking for

Oehh, why do I keep telling myself
That we are still in love
Even though you took off and broke my heart
And letting me know that I ain't the one you need, no

We're talking all night to a filthy sky and some rain
I'm tryin' to find just little bits of yesterday
I guess you never knew how much I needed you, ooh
It's over

And handle it, covering my eye so I can see
Something's angels always what they seem to be
Things in my mind keep flashing by
What's going on, what the hell is going on

These days are just way to bright
I need a reason to believe, yeah

'Cause I keep telling myself
That we are still in love
Even though you took off and broke my heart
And letting me know that I ain't the one you're looking for

Ooh, why do I keep telling myself
That we are still in love
Even though you took off and broke my heart
And letting me know that I ain't the one you need, no

Ooohhhh, hey, hey, hey, hey, hey, hey, hey, hey
Oohhh, no
We're living a lie, baby, oh
We're living a lie, baby
We're living a lie, baby
We're living a lie, baby
We're living a lie, now
Lie now, heeyy, he-he-he-he
He-he-he-he
He-he-he-he
We're living a lie
We're living a lie, hey
We're living a lie, baby
We're living a lie, baby

Vida de Doutor: Clichês


Iniciei essa série de posts com um clichê: “doutor é um tipo de médico”.

Até meus pais pensavam assim e quando expliquei que sou zoólogo, não entenderam. Em conversas com eles parecia que eu figurava como algum tipo de veterinário que dava aulas na universidade. Isso só terminou quando eu me defini apenas por professor!

Eu sou doutor, eu sou professor!

Ainda há duas coisas se compreende em relação aos doutores. Primeiro, aqueles que não posseum o título, mas sempre sonharam cursar doutorado e, segundo, quem possui doutorado, mas falha nas funções verdadeiras (por exemplo, publicar) e se traveste de todos os clichês da sociedade e da cultura universitária.

No primeiro caso, não tem jeito, algumas profissões são vistas pelas pessoas comuns como “doutores”. As “pessoas comuns”, ou cidadãos médios são a grande maioria, daí que é infrutífero lutar contra isso. O mais simples seria educar todos, um sonho que temos para este país. Enquanto a falta de informação estiver entre os cidadãos, doutor é médico e advogado... Ou um dono de um supermercado. O cumprimento “doutor” é similar a uma identidade de autoridade, um “coronel”, um “senhor de engenho”.

As duas frases abaixo são equivalentes:

-“O doutor pode deixar que eu cuido de seu carro!”

-“O coronel é quem manda, volte sempre!”

Eis o tipo de doutor que eu não sou e tenho orgulho de não ser!

No segundo caso, há doutores na universidade que se exibem demais. Aqueles que exigem que alunos, funcionários e outros professores chamem-no de “doutor”, até para dizer “bom dia”. Estão sempre travestidos de todos os clichês, acham que o doutorado os transformou em humanos superiores, mais inteligentes e sublimes [argh!].

Esse é o segundo tipo de doutor estereotipado que eu não sou. O pior, isso existe!

Nem uma coisa, nem outra. Profissionais com graduação e mestrado não são doutores, menos ainda o dono do mercadinho! Já o doutor improdutivo que vive falando do seu título sem na prática exercê-lo, pode-se classificar como frustração e só.

Além desses dois clichês há outros tipos que fazem, no conjunto, o que uma vez me falaram ser a “cultura universitária”. Vamos ver quatro deles:

(1) Clichê dos livros

“Você compra quantos livros por ano?” “Quantos livros você lê por mês?” Essas são perguntas que se você fizer a um doutor ele poderá mentir para você respondendo em números, nunca com um: “eu não comprei, ou li nada neste ano”! Isso pode acontecer e as pessoas devem procurar consumir conhecimento da melhor forma possível. Seja em artigos publicados em revistas científicas, livros técnicos, ou estudando a cultura popular. Não é uma obrigação ter bibliotecas em casa. Por exemplo, eu tenho meus livros, comprei cada um por interesses específicos (literatura, filosofia e ciência), mas não no intuito de montar uma biblioteca para tirar foto e colocar em meu Currículo Lattes. Usar imagens assim é clichê! Doutor com o fundo cheio de livros... Isso é a iconografia para o mundo que precisa dessa figura. Ah! A imagem é tudo e muitas vezes funciona, embora seja clichê!

(2) Clichê da boa música

Há de tudo na universidade, pode-se quase tudo e quanto mais estranho você parecer, mais normal será percebido. Voltemos para o que o povo imagina de um “doutor”. Como essa palavra às vezes é sinônimo de “senhor e superior”, é desconexo dessa figura mentirosa gostar do que o povo gosta. Por exemplo, é fácil para eu conversar com os amigos de adolescência sobre música. Muitos deles gostam do forró atual, ou pagode da moda, funk, axé, os ritmos da rádio. Se eu falo para eles que não gosto de ouvir músicas desses estilos, eles dão de ombro e, no máximo, falam que também não gostam das músicas que escuto. Tudo termina bem!

Isso é completamente diferente na universidade! Falar que não se gosta de um ícone da MPB é algo inaceitável para muitos! Você pode falar que é ateu, ou mesmo de uma religião obscura do Egito Antigo... Tudo bem! Mas, caso fale: “eu não gosto de Caetano Veloso”, cuidado! Sempre vem um discurso sobre cultura e do que há de errado com você. E se o “doutor” gostar de forró popular? Ou funk? Parece brincadeira, mas isso soa como uma heresia.

Tenho dois amigos doutores que curtem o que o povo gosta. Toda vez que eles falam sobre isso tem sempre um tipo de desculpa como algo “sei que vocês não entendem, mas eu gosto disso, gosto daquilo”.

Eu gosto muito de heavy metal e rock’n’roll, mas o que não falta na universidade são pessoas de cabelo cumprido e vestidas de preto. Esses casos são enquadrados no clichê dos “alternativos”, como aquele que gosta de música dos antigos astecas, ou algo assim. Ninguém torce o nariz para Led Zeppellin, ou U2... São unanimidades iguais ao Caetano Veloso... “coisas de doutor”!!! Na verdade, é apenas clichê, nada além disso.

Fazer um curso de doutorado não implica em adotar uma religião musical, ou qualquer coisa assim.

(3) Clichê da esquerda

Só tenho dois amigos na universidade que falam abertamente que são de direita. Já outro amigo meu, doutor em História, acha isso quase inconcebível! Para ele não é possível alguém com doutorado na universidade que seja “neoliberal”, alguma coisa deve estar errada.

Eu sou de esquerda, decidi isso em meio ao movimento de 2006 por concurso público e melhoria de nossos salários nas três universidades estaduais do Ceará. Até então, não lia sobre política e tinha minha mente centrada na produção científica. Lembrem do primeiro post desta série, a ciência de hoje é assalariada e todas as nossas condições de trabalho hoje são definidas politicamente. Não há como se esquivar disso e quem tenta fazê-lo transfere as decisões da sua vida profissional para outros. Às vezes, isso pode ser um desastre!

Apesar disso, não compreendo meu espaço como hegemônico da esquerda. Ou pior, onde quem é da direita deve ter o tratamento de uma bruxa de Salém.

Universidade de verdade deve ser plural, em todos os sentidos!

(4) Clichê da produção científica

“A grama do vizinho sempre é mais verde”! É assim que muitos falam uns dos outros: que a “área tal” é mais fácil de publicar do que a outra. Entretanto, publicar grandes obras e excelentes artigos não é fácil em qualquer área do conhecimento e nem todos conseguem. Todavia, nenhum “doutor” que conheço reconhecerá abertamente que está com a produção parada, ou não publicou algo depois do doutorado.

No geral, parece que todos os doutores sempre estão ali publicando aos montes, revolucionando a ciência mais de uma vez por ano, ou, em extremos, várias vezes por mês.

Os verdadeiros doutores publicam sim, mas isso é algo intrínseco à sua atuação profissional. Pela experiência todos sabem que os mais falantes e críticos dos trabalhos alheios são justamente os menos produtivos, ou aqueles que nunca publicaram nada importante. Falam muito, fazem pouco!!!

Reunindo esses quatro clichês temos algo assim: “doutor é uma pessoa refinada, que gosta de livros, curte “boa música”, é de esquerda e publica aos montes”.

Eis outro “doutor” que eu não sou!

Na verdade, tendo uma autocrítica, na qual me vejo onde poucos gostariam de se encaixar: “entre os estranhos”!

Agora isso não é clichê de “doutor”, a universidade pelo que ela é como instituição de crítica e construção do conhecimento favorece, claro, aqueles que gostam muito, muito mesmo, de ler e escrever.

A universidade é a casa dos nerds!!!

Hoje em dia está na moda se identificar com isso, acho que principalmente pelo sucesso da série “The Big Bang Theory”. Como bem fala meu amigo Eduardo (doutorando em Física, UFPB): “hoje em dia todo mundo quer ser o Sheldon na universidade”!

“Entre os estranhos” estão pessoas cheias de manias, “tiques”, transtornos obsessivos compulsivos, ansiosas, depressivas, com distúrbio de atenção e, alguns casos, até esquizofrênicas. Exemplos reais não faltam, um amigo meu não pode ver um paliteiro na mesa, ele quebra lenta e cuidadosamente todos os palitos em mínimos pedaços, todos os palitos e nem nota isso! Outro amigo meu me falou que não consegue conversar em uma mesa cujos objetos não estejam em uma determinada ordem e simetria. Esses dois são “doutores” com dezenas de artigos publicados em revistas científicas de prestígio. Eles também são gente boa! Pessoas de meu convívio que gosto muito de ter oportunidade de conversar.

Eu tenho minhas manias, segue uma pequena lista:

(1) Detesto viajar

(2) Detesto experimentar coisas que saiam de minha rotina

(3) Detesto modas (carro branco, TVs, iPhone, corte de cabelo, roupas, essas coisas)

(4) Gosto muito de usar óculos

(5) Gosto muito mais de revistas em quadrinhos do que futebol

(6) Gosto muito de café (olhem aí outro clichê universitário: “café é quase uma divindade idolatrada nos laboratórios e salas de reunião")

(7) Eu ODEIO clichês!!!

No supermercado eu tento parecer “normal”, mas tenho certo pavor desses ambientes com temperatura controlada, musak, pessoas sorrindo e muitas embalagens coloridas dispostas em uma sequência para incitar o consumo. Não quero chamar a atenção, mas vejo tudo aquilo sem sentido algum, enquanto pessoas acham o melhor da vida!!!

É assim mesmo, somos Lamarcks assalariados, rockstars, ou simplesmente sujeitos estranhos cheios de manias.

Naquela tarde em Juazeiro do Norte – CE, eu e Robson Ávila, acompanhados por Allysson Pinheiro, estávamos felizes por comprar “gibis” antigos e conversar sobre os mais diferentes interesses... Dos super-heróis dos quadrinhos até as extinções em massa.

Três doutores de verdade, de bermudas e chinelos, ninguém nos cumprimentou na rua: “eu fico de olho no carro, doutor!”. Isso é bom! Estamos longe desse tipo de “doutor” que é semelhante ao cumprimento de “coronel”. Nos corredores da Universidade não somos diferentes, sorrimos cumprimentamos todo mundo. Somos pesquisadores, orientadores de alunos (novos doutores), autores e co-autores de trabalhos científicos, ou simplesmente... Professores!!!

Eis minha Vida de Doutor!!!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Vida de Doutor: Rockstars

Quem sonha começar uma carreira acadêmica não imagina que isso implica na dedicação de toda uma vida. No post anterior deixei claro que no Brasil se leva em média 10 anos para se formar um doutor. Depois disso, há a sobrevivência com prioridade para os concursos seguida de bolsas de Pós-Doutorado, Desenvolvimento Científico Regional – DCR e outros programas de pesquisa com bolsas para doutores.

Após passar em um concurso, eis que o jovem doutor é apresentado ao seu plano de cargos, carreira e vencimentos.

Vos lá, por exemplo, eu sou Professor Adjunto e no próximo mês entregarei meu memorial para avaliação de desempenho e ascender a Professor Associado. Quando ingressei no magistério superior tinha uma impressão do que vem a ser esses adjetivos classificatórios. Nas IES federais correspondem diretamente à titulação, simples assim: Auxiliar (Professor Graduado), Assistente (Professor Mestre), Adjunto, Associado e Titular (Professor Doutor, ou Livre Docência).

Nas IES estaduais e municipais pode haver uma correspondência completa, ou não, devido a legislações diferentes. Por exemplo, o antigo Regimento da Universidade Regional do Cariri – URCA/ Ceará permitia que Professores Graduados ocupassem cargos de Auxiliar até Adjunto. Isso só mudou em 2007 com a aprovação pelo Governo do Estado do Ceará de nosso atual Plano de Cargos, Carreira e Vencimentos. Todavia, devido isso ser relativamente recente, ainda existe muitos professores Assistentes e Adjuntos com graduação e a correlação entre o cargo e titulação acadêmica ainda levará alguns anos para ficar semelhante às IES federais.

O curioso é que a maioria das pessoas não entende o que significa ser classificado de Auxiliar até Associado. Além da titulação, grande parte das pessoas pensa apenas em diferenças salariais. Essa classificação na verdade reflete uma hierarquia secular das universidades européias e norte-americanas, cuja estrutura nós copiamos no Brasil. Esses adjetivos de Auxiliar até Associado são definidos assim em função do Professor Catedrático, o Titular.

É assim, Professor Auxiliar ao Titular, Professor Adjunto ao Titular, Professor Associado ao Titular. Os titulares, no papel e teoria, são os pilares de tudo e representam o ponto mais alto que se pode chegar à carreira do magistério superior.

Escrevo “no papel e teoria”, porque comumente vemos poucos os Professores Titulares. Às vezes, são selecionados em concurso público um Titular para um Centro e para diversos cursos, ou curso algum (sendo designado para toda a universidade). Em casos mais “extremos” pode não haver professor Titular algum na universidade, como a URCA do exemplo anterior, onde ocupo cargo de Adjunto a nenhum professor Titular.

Exemplos assim são de natureza bem brasileira de ser algo perfeito no papel (Constituição) e, em muitos casos, na prática, somos mesmo é um país de “jeitinhos” mal feitos.

Eu sou Adjunto, em breve Associado, a Titular nenhum!!!

Por outro lado, as categorias que citei podem realmente refletirem nada mais do que tempo de serviço e aumento salarial, conforme a progressão.

Eu compreendo o doutoramento em si como um treinamento para pesquisa e faço sempre alusão metafórica a uma escola de artes marciais, ou de atiradores de elite. Após conclusão do treinamento todos são faixas pretas, ou matadores precisos. Isso é teoria, porque na prática, pode-se muito bem receber o treinamento e depois não exercer a função aprendida. Isso mesmo! Alguns podem não lutar, não atirar no exemplo da metáfora... Simplesmente em palavras da realidade: não publicar!

Então se desenvolveu, por esse e outros motivos, formas de avaliar os doutores pesquisadores. A ciência de hoje possui sua métrica com índices de Fator de Impacto, Fator H e, na pós-graduação brasileira, Qualis Capes. Não basta ser doutor, nem tão pouco em qual categoria se esteja, se quiser realmente fazer a diferença, tem que entrar nesse mundo... nem que se desenvolva neuroses e manias.

Lembrem dos posts:

[clique] Neurose acadêmica

[clique] Neurose acadêmica não tem cura

Ok! Não há nenhuma fórmula garantida, vou listar algumas sugestões mais comuns que ouvimos nos corredores das universidades:

(1) Publicar aos montes é necessário, mas deixe um tempo para trabalhar nos artigos de maior relevância que irão causar modificações de verdade no conhecimento.

(2) Publicar aos montes é necessário, mas tem que haver um tempo para sintetizar o melhor de tudo em livros, afinal, são eles que têm impacto mais amplo na população.

(3) Publicar aos montes é necessário, mas deve haver um tempo para realizar divulgação científica, afinal, ninguém se torna conhecido sem isso.

(4) Por fim, publicar aos montes não é necessário, mas sim dedicar tempo para artigos de maior relevância, livros sínteses e divulgação científica.

Bem, em todo caso, dá para notar que “quem não publica se trumbica” (imitando aqui o Chacrinha)!!!

Feito o dever de casa, o resultado normalmente é uma carreira acadêmica com progressões hierárquicas e produtividade, eis a Vida de Doutor. Mas isso tem muito haver com a capacidade de orientação, porque conforme envelhecemos, várias coisas acontecem:

(1) A nossa criatividade diminui com o tempo e o apego as hipótese publicadas aumenta.

(2) Nosso tempo para pesquisa é cada vez menor devido às aulas e encargos administrativos.

Assim, é neste ponto que entra a atividade mais importante para um doutor na universidade: orientação. É importante para nós doutores, porque funciona como um “upgrade” de criatividade e vontade de trabalho (“fome por publicação e sobrevivência”). É muitíssimo importante para os orientados, pois o convívio com quem sabe jogar, geralmente produz os craques do amanhã.

Um pesquisador e seus orientados são parecidos com uma banda de rock e seus fãs. Afinal, bandas de rock e equipes científicas são compostas por pessoas e estas possuem padrões de comportamento, como todo ser biológico. Nossos trabalhos publicados são como composições. As que são mais citadas, tornam-se os “hits” (clássicos) da carreira e formam a base do desenvolvimento desse “estilo”, ou mesmo a repetição do que já foi feito.

Esse paralelo entre “rockstars” e pesquisadores renomados tem outra face. Todos passam por uma fase de “quebra da criatividade”. Imaginem o Pink Floyd forçado a lançar um disco novo todo ano? Pois é, nem esse gigante do rock progressivo conseguiria. Sem contar fazer de cada álbum um novo “Darkside Of The Moon”?! Não dá! A história dessa banda tem como referência seus grandes trabalhos e outros nem tanto assim. Além disso, toda banda quando está em período entre lançamentos, solta álbuns “ao vivo”, ou “compilações (“The Best Of...”) comemorativas.

Somos assim muito semelhantes. Publicamos uns trabalhos relevantes, que fazem a nossa “fama” e outros artigos nem tanto assim. Entre uma safra de publicação e outra, saem uns “artigos de revisão” (os “reviews”, muito parecidos com os “The Best Of...”).

Quando tudo satura, quando tudo congela, é necessário um tempo sem fazer nada. Um “break out” para se pensar naquilo já feito e quais são os caminhos a seguir daí por diante.

Uma característica dos macacos é imitar comportamentos uns dos outros. Bem, nós somos macacos! O resultado disso é uma legião de cópias, uns imitando os outros. Sabem aquela banda que soa muito parecida com o Iron Maiden... Pois é!!! Toda imitação nunca será original, não é mesmo?! Isso é o que não falta na academia, aqueles pesquisadores prosaicos que repetem aquilo já feito por outro... O Iron Maiden Cover [rsrsrs]!!!

Lammarcks assalariados e rockstars, seguimos na Vida de Doutor. Ainda falta escrever sobre “a união dessas duas torres”, que gera uma Cultura Acadêmica daquelas na qual é mais fácil ser ateu do que não gostar de Caetano Veloso. Esse será o tema do próximo post... Até lá!!!

sábado, 13 de agosto de 2011

Vida de Doutor: Os "Lamarcks" Assalariados

Doutores são pessoas com treinamento para pesquisa científica, tecnologia, arte e humanidades. É necessário desenvolver uma tese, um conjunto de hipóteses que desafiem o conhecimento, ora modificando-o, ora aprimorando-o para um nível mais próximo da realidade possível. Um doutor faz tudo, menos deixar as “verdades dogmáticas em paz”. É ser um iconoclasta por natureza! A frase que mais ouvi e até falei: “esse problema aqui será antes e depois de mim, assim que eu publicar esse artigo”!
Nesse modus operandi de ser e agir, três coisas precisamos entender: (1) o que é ciência, (2) a aristocracia e o ócio criativo, (3) prestação de serviço através do trabalho assalariado.

(1) Ciência
Nosso mundo da revolução industrial é, em grande parte, baseado na ciência, pelo menos nos princípios mais gerais. O método científico com proposição de hipóteses falseáveis (sensu Karl Popper) impôs uma regra simples: toda afirmação tem que ser provada, fisicamente falando. As áreas da Física, Química e Biologia e seus derivados só funcionam assim hoje. Por exemplo, um médico como um bom investigador científico deve entender e propor soluções através de evidências que ele e por exames específicos. É inconcebível alguém entrar em um consultório e ouvir: “eu SINTO que você está com câncer.” Um médico tem que ter mais do que seu instinto, ele deve analisar os resultados e avaliar tudo mediante um conhecimento prévio. Se você entendeu sabe mais enfim porque essa postura está hoje amplamente presente em nossas vidas. Advogados, políticos, jornalistas, policiais, bombeiros, a lista é muito grande! Todos devem usar métodos de coleta de dados, métodos de análise e padronização na apresentação de seus resultados e discussão.

Costumo falar para meus alunos e mais próximos “se você não conhece ciência, saiba que são apenas 34 páginas de leitura na Wikipédia [clique]”.

Os cursos de doutorado são justamente a capacitação em ciência no amplo sentido. Um doutor é um investigador, alguém que levanta hipóteses, questiona e modifica o conhecimento estabelecido através do emprego do método científico.

(2) Aristocracia e o Ócio Criativo
Ok! Mas de onde vem essa postura? Como surgiu a ciência? Vamos a uma situação hipotética: imagine que todos os seus desejos materiais estivessem saciados. Imagine uma situação onde dinheiro não é problema. Quando humanos não estão na labuta, ora procurando alimento, ora cultivando, ou até guerreando, eles não ficam estáticos, vazios, sem nada a fazer. Os humanos possuem uma característica intrínseca: em seu ócio, eles questionam o que é verdade, ou não!
Humanos sempre perguntam sobre a realidade. As conhecidas perguntas: “o que nós somos?” “De onde viemos?”, “Qual o sentido da vida?”

Todo grupo humano possui uma mitologia, uma história própria de sua tribo que lhe dá sentido para existência. O advento da agricultura, apesar de seus aspectos negativos (acúmulo de excedente, aumento da discriminação de gênero, formação de exércitos, etc.), trouxe uma ampliação do ócio para alguns e, no berço da civilização humana, o ócio ampliado em questionamentos e o Ócio Criativo.

Antes de Galileu Galilei, Francis Bacon, Karl Popper e tantos outros, a Grécia Antiga é apontada como o local de origem do conhecimento ocidental. Você já ouviu pelo menos um de seus professores falar que um determinado filósofo grego é “pai” disso, o outro é o pai “daquilo”. O importante aqui é você entender que a busca pelo conhecimento, antiga e moderna, foi realizada pela aristocracia. Calma! Eu não estou defendendo elitização, ok?! Apenas quero que você entenda que a busca pelo conhecimento não está vinculada a ganhar coisas matérias. Ciência e dinheiro podem se encontrar na aplicabilidade, na tecnologia, mas, não estão unidos na origem. É verdade que o conhecimento trás o poder, mas isso não quer dizer todo conhecimento resulta em dominação de massas, bomba atômica, etc. A busca está vinculada a responder com mais precisão as perguntas clássicas já listadas aqui: “o que nós somos?” “De onde viemos?”, “Qual o sentido da vida?”

Após a revolução da agricultura, apenas quem tinha certa liberdade de bens materias e muito ócio foi capaz de desenvolver a filosofia e depois as ciências modernas.

Sim, a ciência nasce entre aristocratas e só com o advento dos serviços assalariados que isso irá mudar um pouco.

Isso serve como um alerta as mentes jovens nas universidades. Primeiro é reconhecer que estamos procurando duas coisas que nem sempre andam juntas: (A) trabalhar com ciência e (B) ganhar dinheiro.

(A) Ser cientista por si só é investigar certos aspectos da realidade, repetindo para fixar: isso não tem nada haver com produzir um bem, ganhar dinheiro.

(B) Para ser cientista é preciso prestar serviço, como dar aulas e capacitar pessoas profissionalmente.

Existem patentes de medicamentos, novas tecnologias da engenharia e meios de informação, etc. que podem transformar pessoas comuns em milionárias. Entretanto, a maioria dos cientistas não possui essa motivação. A maioria está cada um do seu modo, trabalhando, direta, ou indiretamente nas questões clássicas da existência humana. Como filósofos gregos, estamos ali em pé questionando “o que nós somos?” “De onde viemos?”, “Qual o sentido da vida?”

(3) A Ciência Assalariada
Darwin estava um tanto agitado quanto a encontrar algum bom fóssil na América do Sul. Ficou sabendo, para o seu desgosto, que o colecionador francês Alcide d’Orbigny estivera trabalhando na área por seis meses, obtendo espécimes excelentes para o Museu de Paris. Isso era irritante; Darwin financiara seu próprio caminho até ali apenas para descobrir o governo francês patrocinando seu homem, permitindo ele percorrer os pampas por seis anos com passagem gratuita. Esse fato evidenciava a séria atitude francesa em relação à ciência” (Desmond e Moore, 2001: 145).

Esse foi o meu primeiro contato com relato que li de financiamento público para ciência. Eu não sou especialista em história da ciência assalariada, mas sei que a França foi um dos primeiros, senão o primeiro país a financiar a ciência e pagar salário para cientistas. Lamarck é um exemplo disso, após ingressar no Museu de História Natural de Paris viveu sua vida do salário que recebia: “Lamarck – fifty years old; married for the second time, wife enceinte; six children; professor of zoölogy, of insects, of worms, and microscopic animals. His salary, like that of the professors, was put at 2,868 livres, 6 sous, 8 deniers” (Packard, 2008:28).

A França foi e é um país revolucionário!

Eis nossos dois exemplos de cientistas: Lamarck e Darwin. O primeiro assalariado morreu cego, pobre e só não passou fome, porque sua filha mais velha conseguiu uma remuneração no herbário para ajudar a família: “It was a natural and becoming thing for the Assembly of Professors of the Museum, in view of the ‘malheureuse position de la famille’ to vote to give her [Mlle] employment in the botanical laboratory in arranging and pasting the dried plants, with salary of 1,000 francs” (Packard, 2008: 39). Já Darwin nunca precisou depender de salário algum! Viveu muito bem dos proventos de sua família e da sua esposa (a prima também rica).
Ambos são grandes nomes que contribuíram para conhecimento humano. Por mais importantes que tenham sido suas obras, materialmente, suas vidas não foram alteradas por elas. Lamarck pobre foi, pobre continuou!

E a venda dos livros de Darwin? Bem, ele já tinha uma mansão antes de publicá-los, quer que eu escreva mais sobre isso?

As idéias publicadas em artigos e livros podem mudar o mundo e se amplamente aceitos trazem status e fama aos seus autores. Entretanto, não está implícito fazer fortuna com isso.

A grande maioria de meus alunos chega à universidade pensando em conseguir um ótimo emprego. Muitos falam para mim assim: “eu quero ser pesquisador, trabalhar em um laboratório, nem de longe serei professor”.

Agora vamos às más notícias, se querem realmente ser pesquisadores a probabilidade de se tornarem professores é de quase 100%. Na Grécia Antiga há um intrínseco relacionamento entre produzir conhecimento e ensino, tanto que muitos filósofos criaram escolas onde ensinavam seus pupilos, como o Liceu de Aristóteles.

A necessidade de criar e ampliar profissões, a leitura da bíblia e depois a revolução industrial intensificou o aumento do número de escolas.

Ressalto que sempre que a ciência pura, à busca pelo conhecimento puro, manteve-se elitizada na maioria dos vultos ocidentais. Ainda hoje é muito difícil para um filho de um pedreiro conseguir tempo para trabalhar e estudar. Os cursos para formar pesquisadores são quase sempre diurnos e de regime integral. Os cursos noturnos foram delegados para as licenciaturas.

Não é a toa que o Brasil ainda é esse atraso só, não é verdade?!

Após o vestibular, se você conseguir “tirar direto” sem parar, levará aproximadamente dez anos para conseguir um título de doutor: quatro de graduação, dois de mestrado e quatro de doutorado. Isso varia um pouco dependendo do tempo da graduação, ou mesmo, em alguns casos muito especiais, quando se consegue ir direto ao doutorado, sem passar pelo mestrado, ou, em alguns programas de pós-graduação, com apenas um ano deste. Muitos não param, complementam, ou fazem atualizações profissionais realizando estágios pós-doutorais de curta (seis meses) ou longa duração (um a dois anos). Não é título, mas pegou moda nos corredores hoje falar em professor “pós-doc”.
Bem, para ser doutor é uma década de sua vida só dedicada ao estudo! E uma década é quase uma eternidade existencial! Isso significa mais dificuldade ainda para as pessoas que não podem ficar sem trabalhar, ou aquelas que não conseguirem bolsas de estudo durante sua permanência nas universidades.

Após tudo isso, as universidades públicas e os poucos institutos públicos de pesquisa no Brasil são as melhores opções de emprego. As universidades e faculdades privadas o regime de trabalho é voltado quase que exclusivamente para aulas de graduação... Os salários são inferiores ao do setor público e, o menos atrativo, não há estabilidade e planos de carreira.

Qual o salário de um doutor hoje no Brasil? É só consultar os editais dos últimos concursos disponíveis na internet. Vejamos o recente concurso para professor adjunto (doutor) realizado para a Universidade Federal de Campina Grande – UFCG/ Campus Cajazeiras-PB [clique para ver o edital completo]:


O salário apresentado na Tabela é bruto, isto é, sem os descontos dos impostos da previdência e de renda. Esses descontos juntos diminuem hoje cerca de R$ 2.000,00. O salário de um professor doutor também irá variar para mais ou menos nas universidades estaduais, porque elas possuem seus próprios planos de cargos e carreiras independentes das universidades federais.

Em nosso exemplo, um “professor doutor” iniciante em uma universidade federal, com os descontos, seu salário líquido no bolso é pela definição da Fundação Getúlio Vargas pertencente a Classe C (entre R$ 1.610,00 até 6.941,00)!!!

Ok! Não existe um professor doutor com um salário mínimo e toda vez que falamos de nossos salários há dois extremos de reação. O primeiro gosta de mostrar notícias assim:

“[Na América Latina] 100 milhões de pessoas não tem dinheiro sequer para adquirir uma cesta básica.” [clique]

Mais de 1,5 milhões de pessoas vivem em extrema pobreza no Ceará.” [clique]

Complementam esse quadro falando das condições dos professores públicos do ensino fundamental e médio, os quais são nossos irmãos de profissão, companheiros no trabalho de formação dos “doutores do amanhã”. A remuneração deles, mesmo com algumas melhorias do piso nacional recém-conquistada à luta, ainda é muito baixa.

Esse primeiro conjunto de discurso é daqueles que dizem que “reclamamos de barriga cheia” em um país pobre.

Aí vem as outras vozes no extremo oposto: “ganhamos muito mal pela qualificação que temos”. Quando fazem isso, sempre comparam salários de profissionais como médicos, juízes e cargos políticos, muitos apenas com graduação e os últimos (os políticos) podem ser até semi-analfabetos.

Não gosto de nenhum dos extremos, os que clamam que estamos muito bem e de barriga cheia, ou os que estamos muito mal. Para mim, estamos no meio disso tudo! Somos apenas brasileiros comuns com salários medianos. Fazemos parte da classe média deste país. Uma classe que beira à falência todos os dias devido ao número de contas para pagar e empréstimos nos bancos.

Ter um salário de classe média não é lá um orgulho, é para “escapar” todos os meses. Lembram-se das palavras do Frei Betto [clique]: "R$ 4.807 [na época] não é salário de dar tranquilidade financeira a ninguém. O aluguel de um apartamento de dois quartos na capital paulista consome metade desse valor.”

A vida de um doutor começa assim, muitos sonhos de amor pela ciência e a labuta no dia a dia. Tentamos fazer trabalhos revolucionários como Charles Darwin, mas vivemos no aperto e estresse como Lamarck. Não somos ricos e escolhemos uma profissão que não nos tornará assim.

Somos professores... assalariados iguais a Lamarck!



PS: Não perca no próximo post a carreira e o status na Vida de Doutor!

Referências
Desmond, A. e Moore, J., 2001. Darwin: a vida de um evolucionista atormentado. 4 ed. Geração Editorial.
Packard, AS., 2008. Lamarck, The founder of evolution his life and work. Wildhern Press.

sábado, 30 de julho de 2011

Vida de Doutor: Apresentação

Diálogo do filme “A Família Savage” (The Savages, 2005):

Pai: “Então faça alguma coisa! Você é doutor!”

Filho: “Eu vou chamar alguém.”

Filha: “Está bem.”

Filha: “Ele não é doutor, pai. Ele é professor.”

Pai: “Pensei que meu filho fosse doutor.”

Filha: “Ele tem doutorado em Filosofia, PhD. Dá aula em faculdade.”

Pai: “Medicina?”

Filha: “Não. Drama. Ele dá aula de Teatro.”

Pai: “Como na Broadway?”

Filha: ”Não. Como... Teatro de conflito social. Coisas assim. Ele está escrevendo um livro sobre Bertolt Brecht.”

Assim como o personagem Jon Savage, eu também sou doutor e não foi diferente em minha casa com meus pais.

Eu sou doutor, um verdadeiro doutor. Desenvolvi e defendi uma tese que me valeu o título de Doutor em Ciências Biológicas (Zoologia) pela UFPB. Tenho outros adjetivos profissionais: biólogo, zoólogo, evolucionista, sistemata filogenético, parasitólogo, etc. Entretanto, para o mundo inteiro eu sou simplesmente... Professor.

Muitos de meus companheiros de trabalho tentam ainda adjetivar o próprio adjetivo de sua profissão, falam de professor pesquisador, professor universitário e professor doutor [rsrs] e por aí vai.

Não há uma identidade social-econômica, racial, ou gênero. Somos uma colcha de retalhos, de todas as cores, com pessoas vindas de todas as classes e de todos os gêneros. Entretanto, existem várias coisas que nos identificam, por exemplo, amor pela ciência (na maioria das vezes) e um discurso cheio de retórica e palavras específicas que para uma pessoa comum frequentemente são incompreensíveis.

Além disso, cito ainda (1) nossa carreira profissional (do salário ao status, mesmo que desmedido e falso); (2) os mitos que as pessoas possuem de quem completa sua educação com um curso de doutorado também são comuns a todos nós. Esses mitos e clichês são tão fortes e freqüentes que vez por outra, encontra-se um professor mergulhado em algo assim... Escrevo com ênfase: dá é pena de ver! Entre esses poucos, há quem se vista para além de uma passarela futurista, dessas que a gente vê na TV e pergunta para si “alguém vestiria isso no dia a dia?” Falam uma verborréia daquelas, vivem inventando um monte de problemas longe de qualquer vínculo com a realidade. Parecem verdadeiros ricos, mas logo estão ali dentro de seus carros populares indo para os subúrbios de todos os brasileiros...

Eu sonhei e desejei muito ser o que sou. Admirei muitos de meus professores na universidade e queria estar em um lugar igual ao deles... Consegui! Ah! É outro aspecto característico dos “doutores” de verdade, parecemos “astros do rock’n’roll” com muitos fãs, seguidores e inimigos. Tenho cada um disso em mim mesmo, da admiração, do fã até a inimizade declarada.

No meu sonho, nos tempos de aluno, eu tinha curiosidade de saber o dia a dia dos “doutores”. O que eles conversam nos cafezinhos, nas reuniões fechadas, naquela hora que pedem após a defesa da tese: “saiam todos, a banca irá agora avaliar em privacidade o candidato”.

Nos textos que virão irei tentar destrinchar em detalhes como é a carreira de um “doutor” no Brasil (e alguns aspectos globais, comuns a todos, vide o diálogo da família Savage). Como surgiu nossa profissão, os nossos salários, o amor pela ciência, o dia a dia, as aulas intermináveis (graduação e pós-graduação), reuniões (quase toda a semana), orientações de alunos, pressão para publicarmos, necessidade de fazer projetos e a difícil tarefa de fingir ser normal quando se vai a um supermercado fazer compras!

O que vem por aí é muito legal e tem realmente muito de “The Big Bang Theory” , mas tudo verdade, tudo realidade. Um exemplo:

Tarde de uma terça feira em Juazeiro do Norte – CE. Eu ando rápido pelas calçadas, o sol está matando, mas eu preciso chegar ao banco pegar uma grana. No Sebo encontrei um monte de HQs da década de 1980. Eu olho para os lados e vejo os amigos que me acompanham, um é doutor pela UNESP, outro é pela UFSCar e tem pós-doc na USP com estágio no Smithsonian Institution (EUA)... Eu não resisto e falo:

“Ninguém acreditaria nessa cena, dois doutores empenhados em comprar ‘gibis’ e outro dando a maior força. O que as pessoas devem imaginar de nós três? Personagens sisudos vestidos de jaleco em um laboratório?!... E eis que aqui estamos de bermudas com edições de Superaventuras Marvel nas mãos!”.

“É meio estranho, singular e até engraçado”.

“Eu vou escrever sobre isso! Eu vou escrever sobre a nossa realidade, nossa “Vida de Doutor”!

 
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