terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Os esporos reprodutivos de Gaia


Um dos momentos mais marcantes de minha vida foi a noite em que fui até a Praia de Lucena - PB ao lado de meus dois grandes amigos, Alexandre (professor da UFRN) e Eduardo (professor da UFPB). Bebemos muito e depois fomos tomar banho de mar. Lembro das águas-vivas luminescentes na água, a beleza e o perigo tão pertos.

Depois deitamos na areia da praia e ficamos olhando as estrelas... Nunca havia visto tantas e tantas. Eduardo estava na graduação de Física e começou a falar muito sobre a Via Láctea, as constelações e o universo. Olhei o céu em profundidade, não como um papel escuro e luminoso do teto de nossa casa... Olhei em profundidade como o mar, imaginei as águas-vivas que acabara de ver passeando pelo espaço. Imaginei eu mesmo mergulhando naquele céu profundo.

Era tanto espaço, tanto... que me faltou fôlego. Senti-me rapidamente sem ar, em uma agonia por ser tão minúsculo, tão insignificante por ter tanto lugar para estar, tanto espaço, uma vida tão breve e uma imensidão de beleza tal que nunca irei ver... que simplesmente não possuia mais ar para tomar.

Eu sei que o universo "É", mas não sei como ele é e por que ele é. Nenhuma descrição da Física possui sentido satisfatório para essas perguntas feitas em uma mente primata do Pleistoceno. Meu maior amargor em vida é saber que não poderei ver mais do universo do que as imagens incríveis do Hubble. Há nebulosas, galáxias e estrelas de beleza impossíveis da imaginação humana. Sem contar a matéria escura, o que é essa escuridão?

Meu desafeto com a morte é justamente a perda de tempo para tentar ir mais longe no universo. Nem que seja pela leitura de artigos, livros e imagens.

Pergunto porque cada pessoa não se questiona o que é isso acima de nossas cabeças. Como se pode viver alheio a esse leviatã?

Nosso Sol sucumbirá e arrasará nosso sistema solar em termos de vida. Talvez antes dele se transformar em uma supernova, suas tempestades causem mudanças profundas no clima da Terra... estamos "lascados". Aquecimento global, um buraco na camada de ozônio... A estrela que nos provê de energia para viver, poderá nos matar.

Uma das canções mas tocantes sobre esse assunto é "Omega" de Bruce Dickinson:

Now it's Omega-Zero day
The red star shines its last rays
The sun that gave us life yesterday
Is now the sun that takes our lives away

(quem não ouviu essa balada acesse o You Tube: http://www.youtube.com/watch?v=3dVXV4INmsc)

Difícil de descrever a sensação de agonia que sinto desde aquela noite em Lucena. Enquanto os tolos de minha espécie passam boa parte de seu tempo matando uns aos outros por causa de crenças folclóricas... Planetas com dez vezes o tamanho de nossa Terra estão bem acima de suas cabeças. Há matéria de verdade, real e física, problemas de verdade para enfrentarmos pela sobrevivência do ser humano.

Devemos cuidar de nossa casa, óbvio. A Terra é nosso berço, será também o nosso túmulo. Temos que prolongar o máximo de sustentabilidade da vida (isso inclui todas as formas de vida, caro leitor) para termos tempo de tentar sair da Terra antes que ela deixe de existir. Como tudo que é feito de matéria, ela irá cessar de existir, transformar-se-á em poeira das estrelas, do jeito que foi formada... será o seu retorno no fim. O eterno retorno da matéria.

Interessante sobre isso é a hipótese Gaia de James Lovelock que descreve a Terra como um super-organismo vivo. Onde todas as formas de vida estão em uma certa simbiose para a homeostase planetária.

Alguns usam de antropomorfismo para relatar coisas como: o efeito estufa é a febre da Terra doente dos humanos.

O mais interessante é a dedução lógica de que se a Terra é um super-organismo, se ela está viva, então se reproduzirá. Como? Produzindo através de seu corpo de biodiversidade formas capazes disso. Aqui o ser humano é apontado como esporos reprodutivos. Explica o porquê temos essa ânsia de catalogar, entender e conservar toda a biodiversidade terrestre, assim como o desejo de sair deste planeta levando consigo sua história e genes (um GenBank de toda a nossa biodiversidade).

Por exemplo, se conseguirmos alcançar outro planeta habitável, certamente plantaremos bananas por lá para comer. Ou você acha que ficaremos contando histórias saudosas dos sabores que deixamos morrer na Terra? Nunca mais comer um belo churrasco de picanha? Nem pensar, levaremos não apenas o que nos é diretamente útil, mas o conhecimento para reproduzirmos nosso planeta.

Nós vamos querer nosso mundo azul novamente, vários deles por aí. Vamos reproduzir a Terra e cantar:

I see trees of green........ red roses too
I see 'em bloom..... for me and for you
And I think to myself.... what a wonderful world.

I see skies of blue..... clouds of white
Bright blessed days....dark sacred nights
And I think to myself .....what a wonderful world.

The colors of a rainbow.....so pretty ..in the sky
Are also on the faces.....of people ..going by
I see friends shaking hands.....sayin.. how do you do
Theyre really sayin......i love you.
I hear babies cry...... I watch them grow
Theyll learn much more.....than Ill never know
And I think to myself .....what a wonderful world

(Letra de Bob Thiele e George David Weiss, voz de Louis Armstrong)

É como mudar de casa e levar nossos CDs para ouvir as músicas prediletas. Não deixamos isso na casa velha, não deixamos nada lá exceto recordações. Uma mudança de planeta, em Arcas de Noé espaciais, ao invés de seres vivos, robôs programados para encontrar novos lares e semear o GenBank da Terra.

Se toda essa imaginação estiver certa, minha espécie surgiu para sair da Terra e reproduzi-la. Meus trabalhos científicos hoje estarão lá nos bancos de dados digitais, assim como as seqüências genéticas que descreveremos nos próximos anos.

Talvez isso explique minha ansiedade e falta de ar ao olhar para o universo nas noites claras, sem nuvens, sem lua cheia, apenas bilhões de estrelas... longe da cidade dos macacos.

Talvez isso também explique esse amor que temos pela biodiversidade, por todas as formas de vida deste planeta.

Se um dia eu fizesse um apelo nos jornais ele seria assim:

"Por favor, não destruamos a vida na Terra! Que nossa missão seja gloriosa pela matéria viva e não por um punhado de contos folclóricos sem ter nada vivo para ler em um futuro estéril."

Assim foi, eu, Alexandre e Eduardo, naquela noite estrelada, após nadar entre águas-vivas, deitados na areia conversando sobre o universo... ficção científica, ou sonhos do futuro para mentes jovens!

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

MUONS AND GRAVITONS

Muons and Gravitons
Restin’ and coverin’ my mind
Restin’ in silence makin’ all sight

A truth hide in past of the worm and the man

[Chorus]
I’m lost in the abyss of life
Where the freedom is not of mine
Where I’m lost no choice mud clay

Particles of existence known, unknown

Muons and Gravitons
In the scarlet bloody flesh kind
Movin’ in the space, travellin’ in the time

Since I’ve smiled and felt so small

[Chorus]
I’m lost in the abyss of life
Where the freedom is not of mine
Where I’m lost no choice mud clay



Escrevi essa letra para compor uma música com minha banda, Death Garden. Estava lendo Bourguignon, A. (1990) "História Natural do Homem" exatamente na primeira parte: "O Universo, A Terra, A Matéria Viva", página 24. Planejei uma balada no estilo "Gyroscope" do In Flames. Ficou só a letrinha e a lembrança de como soaria!

A mesma velha e nova coisa

Foto do amigo e camarada Inácio Carvalho

No final do século XX nós vimos o apogeu do pós-modernismo, uma onda de relatividade pessimista que reduzia todo o conhecimento humano a pontos de vista. Como se ácido acetilsalicílico não tivesse efeito sobre sua dor de cabeça, ou nossos carros funcionassem movidos por retórica e não tecnologia.

Estranho porque um grupo de autores sem imaginação, ou contribuição científica relevante quis chocar o mundo com a idéia de que tudo havia acabado. Para eles era o fim de todas as coisas, o fim da História, o fim da Arte... o fim da Ciência.

Por que isso? Impressionados com a virada de um século? O número 2000 impressionava aos supersticiosos? Talvez uma mistura de tudo isso, ou simplesmente aproveitaram a oportunidade da sensação esotérica crescente naquela época.

Para quem estava lendo um pouco essas idéias em 2000 não foi fácil ser "contra-a-moda". Meu orientador achou muito fascinante tudo e falava em "deconstrução* do conhecimento" (*é assim mesmo que se escreve, sem o "s" - do inglês "deconstruction of knowledgement"). Eu e ele divergimos feio nesse ponto! Sem contar meu amigo Élvio (hoje professor da UEPB), que entrou em crise profunda depois de ler o livro "O Fim da Ciência" de John Hogan.

"O Fim da Ciência" é um livro de entrevistas e todos os cientistas abordados concordaram: há muito ainda por conhecer e mesmo as grandes teorias devem continuar sendo estudadas, nenhum empreendimento humano é capaz ainda de enquadrar toda a realidade deste planeta e pior ainda do universo. Em outras palavras, em apenas dois séculos de ciência como a conhecemos, não poderia ser o fim... ainda estamos no começo de tudo!

Então, de onde veio a idéia do "Fim da Ciência"? Não veio de um cientista... mas do próprio entrevistador, John Hogan, um jornalista!!!

Andei pensando muito nisso nos últimos três anos. O que é novo? Serei repetitivo e não contribuirei com o conhecimento em minha atividade profissional?

Aqui então vão dois lados desse problema: o novo e o velho-novo.

O novo é algo que surge da criatividade e conhecimento prévio. Por exemplo, primeiro a idéia de evolução biológica (Lamarck), depois como ela ocorre (Darwin) e em seguida como é transmitida aos seus descendentes (Mendel). Algo novo e com robustez científica dos séculos IX e XX. Idéias do Equilíbrio Puntuado (Gould) e evolução simbiótica (Margulis) são novidades complementares à teoria da evolução.

Difícil é definir algo completamente novo para nós, por isso, tudo parece velho-novo. Continuando nosso exemplo, a idéia de um mundo que se transforma pode ser ancorada em pensadores gregos como Heráclito e Empédocles. Embora eu concorde com Ernest Mayr que nenhum desses filósofos falaram de evolução biológica como compreendemos hoje. Todavia, há sim um observar da natureza e a conclusão lógica de que o mundo não é fixista.

Essa discussão talvez possa parecer desinteressante para você, meu leitor, mas claro, não vou deixar-te fora disso. Na verdade, a minha preocupação com algo novo não necessariamente se restringia a ciência, mas a música que poderia compor com minha banda (Death Garden), o que de novo poderia escrever (romance), o quão original poderia ser nesse mundo de bilhões de cópias de humanos com histórias de conhecimento milenar.

Estava escutando Legião Urbana dia desses e lembrei dos acordes e arpejos que eles sugaram de bandas como The Smiths e The Cure. Na década de 1980 esse movimento foi classificado como New Wave para alguns, ou Pós-Punk para outros.

As letras e simplicidade da música dos The Smiths influenciaram toda uma geração inglesa até Radiohead. Já The Cure e outras bandas como Bauhaus, Fields of Nephilim e Sisters of Mercy foram as sementes do que conhecemos como Gothic Rock moderno e suas vertentes um pouco mais pesadas como HIM.

Costumava bater boca com fãs do Legião Urbana perguntando "o que de novo eles criaram na onda do rock de então"?

Eram as letras! Elas falavam do cotidiano jovem daquela época, eram particulares do Brasil e universais em outros pontos... claro, eram em português!!!

Isso resolve todos nossos problemas anteriores. Não há fim, mas transformação das coisas sempre. Se hoje você gosta de ler este Blog, é porque ele está contextualizado com seu próprio tempo.... claro, está também em português!!! rsrsrs!!!

As mesmas velhas idéias mais aprimoradas e revividas a cada geração. Sem crises de fim da criatividade e empreendimento humano.

Amo escutar Legião Urbana e The Cure, gosto de ler Dawkins e escrever neste Blog. Tudo são coisas semelhantes, mas diferentes em detalhes.

É a mesma velha e nova coisa!!!

Da mesma forma que você a comer bananas em um sábado de feira-livre ao lado da sua mãe!!!

domingo, 21 de dezembro de 2008

Quem deseja viver para sempre?!


Há três hipóteses para a vida pós-morte:

1) Ela é plena e continuamos vivos

2) Ela é parcial, sobrevivemos apenas no que deixamos para trás (filhos, publicações, entes queridos, arte, etc.)

3) Ela é nula - as outras hipóteses são formas de amenizar o Nada Absoluto após o fim.

Vida plena pós-morte

A primeira hipótese é pura metafísica. Somos feitos de carne, ossos, água e genes!!! Funcionamos assim e requeremos energia para continuarmos vivos, sem contar que essa energia é perdida ao ambiente continuamente. Como então seria a continuidade dessa expressão da matéria sem a obtenção de energia e manutenção desta?

O mais "engraçado" nesta hipótese é que está baseada na conservação de nossa consciência... sem algo físico (cérebro) para gerá-la. Ou seja, não apenas vida após a morte, mas também a continuidade de quem somos como somos.

Note você leitor, que na forma de mamífero, além de necessitarmos do cérebro para gerar consciência também precisamos de todas as outras partes do corpo para sermos como somos. Por exemplo, se és José, tens aparelho reprodutor masculino e definição cromossômica XY, se és Maria, então seus órgãos são femininos e os cromossomos XX. Você para ser o mamífero que é tem que possuir identidade sexual... física!!! Então... como algo assim pode se manifestar em um corpo morto?! Pior, sem corpo?!

Além dos órgãos já mencionados você é seus pêlos, unhas, baço, pâncreas, intestinos, fígado, vesícula biliar, estômago, coração, vasos, medula, sangue, tecidos de preenchimento, olhos, língua, ouvidos, dentes, boca, reservas energéticas, glândulas, muita bioquímica, pulmões, água e quilos de ar para viver oxidando alimentos!!!

Faltar ou falhar uma de suas partes não é nada fácil para continuar vivo... faltar tudo então... é não existir, pelo menos do jeito que você é hoje (um primata!).

Como fazer a sua consciência (que é um conjunto de padrões de descargas neuro-eletroquímicas) se manifestar sem o seu corpo que gera a sua identidade, provê sua subsistência e manifestação? Novamente... metafísica, pura metafísica!

Pode haver outra forma de matéria consciente ainda não detectada? Aprendi que no universo apenas o absurdo é possível. Por exemplo, vivenciamos com nossos sentidos e aparelhos científicos apenas 5% da matéria do universo. Os outros 95% denomina-se genericamente como "matéria escura" e é conhecida apenas teoricamente, ou com poucos indícios observacionais.

Caso haja alguma manifestação de consciência nesse tipo de matéria... ela deverá ser bem diferente da nossa produzida com corpos de primatas.

Vida parcial pós-morte

Os membros da Academia Brasileira de Letras se autodenominam imortais. Estão certos, pelo menos parcialmente.

Obras literárias, arte, música, arquitetura, filosofia, hipóteses e teorias científicas atravessam os séculos, seus autores vão juntos. Nomes como Galileu Galilei, Mozart, Machado de Assis, Sartre e Carl Sagan estarão vivos até o fim da humanidade, ou mesmo sobrevivam depois disso em bancos de dados digitais a serem descobertos por outras formas de vida inteligentes.

Não é fácil brilhar nessa constelação, mas a recompensa é tão gratificante que é quase um objetivo da vida dos grandes humanos escreverem pelo menos um livro.

Após a morte de um grande vulto humano ele se torna sublime, porque mesmo lendo e escutando suas palavras, não presenciamos a parte corporal morta. Não os vemos dormindo, comendo, ou de porre numa festa de fim de ano.

Confesso que sempre faço um discurso desse nível para meus orientandos. Deixo bem claro que se nossos trabalhos e hipóteses forem feitos com esmero, muito provavelmente um pouco de nós será eterno.

Entes queridos constituem outra forma para que um pedaço de nós continue vivo após a morte e nossos filhos são a continuidade do fluxo gênico ancestral.

As recordações, fotos, vídeos, na maioria das vezes, estarão guardadas com carinho e respeito aos mortos amados. Por décadas seus entes queridos poderão até visitar seus restos mortais, conversar saudosamente sobre nós, ou até chorar de saudade. Entretanto, conforme o tempo passar, seremos representados apenas lápides seculares... esquecidas no Pomar de Ossos e Pó.

Essa alternativa de vida pós-morte é real, mas lembre-se que o maior interesse é sobreviver para sempre como somos agora. Isso é impossível nesta segunda alternativa.

Apenas parte de nosso trabalho e relações humanas permanecerá... nós de verdade não.

O Nada Absoluto

Ainda escreverei sobre o tempo aqui, é importante compreendermos que sentimos e mensuramos o que não conseguimos definir. Pelo menos da forma acessível, pois Santo Agostinho dificilmente aceitaria a definição do tempo como singularidade a partir do Big Bang proposta por Stephen Hawking.

O importante agora é entender que Martin Heidegger, após Nietzsche propor nos voltarmos para nós mesmos e não mais metafísica, trouxe a idéia do Tempo como essência para o ser humano. Chegamos a pensar erroneamente que nós éramos os únicos animais que percebíamos passado e futuro como forma de compreender o presente. Chimpanzés e elefantes guardam consigo recordações e apresentam comportamento de compreensão do futuro.

Sartre não sabia disso, mas mesmo sem esses dados ainda não disponíveis em sua época, negou que o tempo poderia ser a essência que definia nossa existência como humanos. Ao invés de "Ser e Tempo" de Heidegger, Sartre propôs "Ser e Nada".

Em "A Náusea" de Sartre há uma passagem ótima (pg., 145) como exemplo da percepção desse vazio em relação ao tempo:

"Lancei um olhar ansioso ao meu redor: só o presente, nada além do presente. Móveis leves e sólidos, incrustados em seu presente, uma mesa, uma cama, um armário de espelho - e eu próprio. Revelava-se a verdadeira natureza do presente: era o que existe e tudo o que não era presente não existia. O passado não existia. (...) Agora eu sabia: as coisas são inteiramente o que parecem - e por trás delas... não existe nada".

Você leu palavras traduzidas do francês de um homem morto. Ele continua aqui em minha mente e agora neste Blog.

Sobre a possibilidade de vida após a morte, a primeira hipótese é pura metafísica, a segunda um consolo e a terceira a crueza da realidade como a ciência nos apresenta hoje.

Escolha o que melhor agrade a sua existência, antes que ela finde e seu corpo se transforme em pó.



Who wants to live forever

(Queen)



Feliz Natal!!!

sábado, 20 de dezembro de 2008

Estocástica


Está chegando o fim de ano e muitos começam a fazer planos para o novo período que se inicia. Engraçado, mas é uma sensação de que estamos no controle, que os planos feitos sairão exatamente como planejamos e executamos.

Entretanto, isso é apenas mais uma adaptação funcional da linguagem lógica de nosso cérebro.

Somos descendentes de animais que devem prever o comportamento de suas presas. Chimpanzés caçam e para isso montam estratégias que envolvem perseguição e armadilhas tão elaboradas semelhantes a uma caçada realizada por caçadores-coletores humanos.

Para quem não leu nada sobre isso, apenas assistam o seguinte vídeo no You Tube:


Chimpanzees team up to attack a monkey in the wild - BBC wildlife


Planos de caçada requerem previsões futuras e conhecimento do ambiente, comportamento das presas e a recompensa desejada (carne para comer).

Cérebros assim devem ser baseados em lógica simples: Animal X vive em árvore Y, quando acossado, corre para árvores Zs. Pronto, é lógico e possui sentido prático.

Agora pense em seu fim de ano, você começa com planos de procurar um emprego, fazer um curso, conseguir alguém para lhe amar... Monta estratégias e, no momento esperado, cai em campo para realizar seus planos.

Aí descobre uma coisa: quase tudo não sai como você planejou!

Empregos, perder peso, cursos, alguém para lhe amar... não é o mesmo que caçar um macaco para comer!!!

Mas seu cérebro básico e pleistocênico insiste que você possui controle de tudo e tudo que você é foi escolhido, planejado e executado por você.

Amigo leitor... a vida é composta na verdade de eventos ESTOCÁSTICOS. São padrões originados aleatoriamente, mas possuem a sensação de que não são ao acaso. Para quem não ouviu falar sobre isso, usemos o exemplo da Wikipédia:

"Normalmente, os eventos estocásticos são aleatórios. Todavia, podem eventualmente não o ser. É perfeitamente plausível, embora improvável, que uma série de 10 arremessos de dados gere a seqüência não aleatória de 6,5,4,3,2,1,2,3,4,5 ou 1,1,1,1,1,1,1,1,1,1. Apesar de coerente - ou compressível (podendo ser expressa de um modo mais comprimido que a seqüência inteira) - a seqüência não-aleatória é estocástica, pois surgiu através de um evento aleatório: o lançar de dados."

Claro, com obstinação você poderá perder peso, conseguir um emprego e também ser amado. Todavia, isso dificilmente acontecerá da forma que você planejou.

Por vezes está tudo em suas mãos, por exemplo, você é a melhor mangueira já vista em toda a terra, possui frutos com sementes fortes de crescimento vigoroso e resistentes a todas as pragas. Entretanto, você está plantado no meio da Avenida Epitácio Pessoa, João Pessoa - PB... seus frutos e sementes caem no asfalto.

Esperar que algum dia um humano, ou outro mamífero disperse suas sementes para além da cidade de João Pessoa é uma chance pouco provável.

Conjuguemos os fatores de nosso sucesso: talento + ambiente social-cultural favorável + fatores econômicos + uma oportunidade. Ou seja, ser a pessoa certa, na hora e lugar certos. Pura estocástica!!! Quando o sucesso vem para alguns, isso é tão mal interpretado que falam em "predestinação", ou alguma coisa esotérica similar.

Este post foi inspirado no "Conto da Ilha Desconhecida" de José Saramago. Leia um trecho (p.24):

"Pensou ela que já bastava de uma vida a limpar palácios, que tinha chegado a hora de mudar de ofício, que lavar e limpar barcos é que era a sua vocação verdadeira, no mar, ao menos, a água nunca lhe faltaria. O homem nem sonha que, não tendo ainda sequer começado a recrutar os tripulantes, já leva atrás de si a futura encarregada das baldeações e outros asseios, também é desse modo que o destino costuma comportar-se conosco, já está mesmo atrás de nós, já estendeu a mão para tocar-nos o ombro, e nós ainda vamos a murmurar, acabou-se, não há mais que ver, é tudo igual."

Notem apenas o seguinte, caso o homem interessado na Ilha Desconhecida não fosse procurar o Rei para conseguir o seu barco, a mulher da limpeza não mudaria sua vida dessa forma, mas sim de outra. Se ela partiu para o mar é porque há muito desejava uma mudança em sua vida. Um evento estocástico gerou um padrão de vida inteiro. Mesmo que estocástico!

Nossa vida é modelada por eventos estocásticos, cujos resultados parecem ter sentido e beleza como os fractais.

Façamos nossos planos, porque é fim de ano e nosso cérebro não sabe evolutivamente fazer diferente.

Estocástico ou não a vida é um fenômeno real... Não esqueçamos de brindar por isso!!!

Feliz ano novo para todos!!!

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Laboratório de Primatologia Tropical - UFPB

Eis aqui uma foto recente tirada do Laboratório de Primatologia Tropical da UFPB, onde a história do post Ódio, o irmão gêmeo do Amor se passou.

Essa foto foi tirada hoje e enviada pelo Prof. Dr. Antonio Christian de Andrade Moura (UEFS) CV-Lattes
http://lattes.cnpq.br/1227708689723082 (conhecido como "Quick"), primatologista e amigo de longas datas.

Obrigado Quick!

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Vida humana e sua fragilidade, vamos cantar!

Acho que essa música e vídeo resumem muito sobre complexidade e fragilidade da existência humana.

Para quem não conhece a banda chama-se Sentenced e a música "No One There"!


sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Callithrix jacchus


Para ilustrar o display descrito no post anterior, segue uma foto de dois Callithrix jacchus. Notem o animal da direita com pelos eriçados... Isso é um sinal de intimidação e agressividade. "Dentinho" ficou assim no final da história passada.

Ódio, o irmão gêmeo do Amor



Nós humanos aprendemos a não gostar de outros, não há genética para o ódio!!! [Barulho dos fogos e aplausos]... rsrsrs!!!

Mas não posso falar o mesmo da agressão entre indivíduos da mesma espécie.

Sou um grande leitor de Histórias em Quadrinhos e em agosto de 1990 fiquei chocado ao ler nona edição do Sandman ("Histórias na Areia"), leia o trecho escrito por Neil Gaiman (pág. 17):

Morpheus: "Você me fez sofrer. Podia ser minha rainha, mas, em vez disso, escolheu o reino da Avó Morte".

Nada [a rainha] manteve a cabeça baixa.

Morpheus: "Uma vez mais eu vou lhe oferecer meu amor. Uma única vez. Se você me recusar uma terceira vez, condenarei sua alma à dor eterna. Por isso eu pergunto, doce amor... quer ser minha rainha?"

Ela disse não e amargou 10.000 anos no Inferno!!!

Naquele dia e por muito tempo depois, quando eu lembrava dessa história ficava me perguntando o porquê de alguém condenar a tanta dor a pessoa a quem se ama. Só aprendi muitos anos depois, quando me apaixonei com grande intensidade por uma mulher, a tive em meus braços, senti o sabor de seus beijos e a ternura de seu sexo. Mas, quando eu estava completamente perdido de amor, ela me deixou, recusou meu amor. Nos meses que passei entre lágrimas e dor só queria uma coisa: um inferno para poder condená-la por 20.000 anos!!!

Note, querido leitor, que os mecanismos iniciais utilizados foram os mesmos para o amor descrito no post “Amor de Primata”. Toda a bioquímica e fisiologia desencadeada culminaram em um “aborto sentimental”, algo como uma “menstruação com cólicas terríveis”.

Entretanto, o que nos conforta neste Blog é que esse tipo de sentimento negativo é uma resposta secundária ao amor. Caso Morpheus e eu tivéssemos sido plenamente correspondidos, haveria apenas histórias de amor para contar. Morpheus e eu aprendemos a odiar através da recusa.

Odiar também é metabólico e físico. Melhor, nesse nosso exemplo, como é resultado do metabolismo do amor, odiar é catabólico.

Da mesma forma anterior neste Blog, estou me referindo apenas a um sentimento. Pessoas podem confundir ódio com agressão, a raiva pela perda é diferente das guerras.

Em 1993 estagiei por seis meses no Laboratório de Primatologia Tropical da Universidade Federal da Paraíba – UFPB (lá chamávamos simplesmente de “Biotério”) sob orientação da Professora Carmen Alonso. O Biotério é localizado em um fragmento de Mata Atlântica.

Certo dia, todos os estagiários estavam designados para ajudar na vacinação dos macacos. Eu e Alexandre (hoje entomologista e professor da UFRN) éramos responsáveis por realizar observações etológicas de grupos de sagüis (
Callithrix jacchus). Entre os macacos, havia um macho chamado de “Dentinho”, era velho e faltavam dentes nele, por isso a profa. Carmen lhe deu esse nome. Após a vacinação, colocamos Dentinho de volta na gaiola, fechamos a portinhola, mas não percebemos uma coisa: do outro lado, havia outra portinhola... e esquecêssemos de fechá-la.

Dentinho FUGIU!!!

Foi um pânico no Biotério, inicialmente pensei comigo mesmo “ele conseguiu sua liberdade”. Contudo, nossa orientadora, após uma grande bronca, deixou claro para nós que ele morreria em questão de minutos.

Os grupos de sagüis que viviam nos fragmentos de Mata Atlântica na UFPB logo, logo sentiriam o cheiro de Dentinho... viriam todos para MATÁ-LO.

Agora sim, preservar o grupo e seu território (os recursos naturais de sobrevivência e reprodução) contra estranhos (principalmente da mesma espécie) é um comportamento muito comum de animais sociais, algo que designamos como XENOFOBIA.

Se estamos falando de ódio, está aqui uma forma de expressão com base genética. Odiamos os invasores, combatemos, fazemos guerra e exterminamos os “nossos inimigos”. Quando populações de uma mesma espécie disputam os mesmos recursos entre si, chamamos isso de competição intraespecífica (aí matamos indivíduos de nossa espécie). Quando são de espécies diferentes, é competição interespecífica (matamos e exterminamos outras espécies).

Lembram quando escrevi que nós devoramos os
Australopithecus até o extermínio (post “Andamos por aí”)? Aqui está uma provável resposta: matamos todos os nossos concorrentes, até almoçamos eles, se possível!!! Inclua também na lista dos prováveis exterminados pelas nossas mãos os Homo neanderthalensis. Matamos nossos irmãos em competição interespecífica!

Somos todos filhos de Cain!!!

Voltando para o Biotério: o que aconteceu com Dentinho?

Pasmem, depois de tanto procurar olhando para cima, encontramos ele por baixo da gaiola de outro grupo de sagüis. Dentinho fugiu, foi direto para a gaiola do macho que ele odiava, estava agarrado com ele, mordendo seu opositor (com os poucos dentes que tinha). Banhado de sangue do inimigo e com feridas das mordidas que ele levou... Dentinho foi parar na enfermaria.

Pertencer a um grupo é ser leal aos seus e combater outros de fora, no primeiro caso matar um semelhante é crime, mas no segundo é heróico.

Como bem disse Pascal:

Porque me matais? Como! Não ficais do outro lado da água? Meu amigo, se ficásseis deste lado, eu seria um assassino, seria injusto matar-vos da mesma maneira; mas, desde que ficais do outro lado, sou um bravo, e isso é justo.
http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/pascal.html

Dentinho foi tratado e voltou para sua gaiola. Ao lado, um pouco distante estava o outro macho a fitá-lo, fazia displays de agressividade (eriçamento de pêlos)... Dentinho retribuía de sua gaiola o mesmo display que traduzia o ódio mortal pelo seu inimigo!!!

Faces da agressão xenofóbica e do ódio catabólico!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Amor de Primata


Meu caro leitor, eu sei que você está esperando de mim a frase: “o amor é genético”...

... Bem, é verdade! Quem sou eu para decepcioná-lo, não é?!!

Amor entre pessoas é um sentimento e todos os sentimentos não são aprendidos. Caso fosse assim, imaginem: haveria culturas com mães mais amorosas do que outras!!! Todavia, nós sabemos que mãe é mãe em qualquer parte do mundo.

Vou abordar apenas dois tipos de amor: (1) o sexual – impulso para reprodução e (2) o familiar – resultado do anterior. Como este Blog não é um guia completo do mochileiro das galáxias, não abordarei amor à pátria, ao carro novo, ao animal de estimação, ao time de futebol, entre tantos outros.

Amor sexual
Nós afirmamos amar pessoas que não possuem vínculo genético conosco. Nós nos apaixonamos e dizemos “eu te amo”, embriagados com ferômonios. Isso não ocorre sem uma seleção prévia, onde a aparência é central primariamente, mesmo que não seja a causa absoluta para um relacionamento. Sendo assim, os sentidos vêm em primeiro lugar (visão, audição, tato, gustação), a beleza “interior”, mesmo que importante, só vem depois.

Beleza é simetria e algumas proporções corporais (homens com tórax em “V”, mulheres o inverso em “A” e corpinhos de violão). Sinais de boa saúde, desenvolvimento embrionário normal e fertilidade.

Em termos de relacionamento homens e mulheres possuem estratégias, interesses e objetivos diametralmente díspares. Como sabemos o investimento na reprodução conta muito. Homens gastam o mínimo para a produção de um espermatozóide, enquanto comparativamente um óvulo leva mil vezes a mais o mesmo investimento energético. Sem contar nas alterações hormonais das mulheres e, caso o óvulo não seja fecundado, haverá perda de sangue e tecidos... isso acontece todos os meses, em média por um pouco menos de 30 anos!

Caso o óvulo seja fecundado um ser humano será gerado e permanecerá na dependência das energias de sua mãe por um período de 20 anos, ou mais em nossa atual conjuntura.

Compreende-se assim, porque as mulheres são seletivas e os homens não. Elas têm mais a perder em uma escolha errada do que eles.

Parece machismo, mas a grande maioria dos mamíferos é poligama, como na fantasia dos homens-bomba pelas suas e só suas dezenas e dezenas de mulheres no paraíso. De forma estranha, mas de conhecimento público, sabemos que homens poderosos possuem amantes, mesmo em culturas com leis de defesa da monogamia.

A natureza guia nossos instintos rumo à reprodução em uma fórmula de conhecimento popular: homens maduros com 40 anos possuem estabilidade e atraem muitas mulheres. Eles estarão sempre atraídos em média por mulheres entre 18-25 anos. Estão sob o signo: “macho maduro, fêmea jovem com vigor de fertilidade”.

Delicado o assunto, mas se você é uma mulher de
status e com 40 anos, em média, atrairá poucos homens (comparado às jovens). Muitas se magoam com isso e rebatem citando exemplos de estrelas hollywoodianas como símbolos de mulheres maduras, sexies e cobiçadas. Mas o que eu escrevo aqui é para a maioria, um número de representação da média populacional e não às exceções (leia o post deste Blog chamado “Realidade”).

As mulheres devem mais do que nunca se emancipar, tornarem-se independentes financeiramente e ocupar seus lugares de destaque no hall dos setores humanos. Em média, as donas-de-casa sofrem com o envelhecimento, a perda do poder reprodutivo e a dependência de um homem.

Melhor ser sozinha do que má acompanhada, enquanto mulher de sucesso, doutora, pesquisadora, filósofa, médica, enfim, independente e dona de seu destino.

Sem contar o Efeito Coolidge já constado em ratos, hamsters, pombos, bois e macacos. Parece haver uma diretriz genética que diminui a freqüência e desejo sexual dos parceiros, motivando-os a procurar novos amores. Essa é a resposta científica para aquilo que se conhece como “rotina” e compreende um dos fatores mais importantes responsáveis por milhares de divórcios no mundo.

Apesar de tudo isso, com todas as diferenças, homens e mulheres se entendem e formam famílias desde o Pleistoceno. Quando se fala em relacionamentos duradouros, ambos os sexos falam a mesma linguagem e possuem os mesmos objetivos. A convivência de momentos para além da alcova, na bonança e nas dificuldades, faz o relacionamento entre um casal se consolidar. É aquele sonho de casamento perfeito e idealizado por muitos e desfrutado por poucos.

Amor familiar
Acho que todos aqui conhecem aqueles cálculos feitos por professores de comportamento animal: se minha irmã possui 50% de meus genes e meus sobrinhos 25%, então é melhor salvar quatro destes (= 100%), do que minha irmã. Nós humanos não fazemos esses cálculos conscientemente e sim da forma emocional.

Imagine a cena: entre a vida e a morte, você só pode optar por sua irmã, ou os filhos dela... Se a opção é apenas essa, então não é você que optará, mas sim a sua irmã. Ela gritará para você salvar os filhos dela... Se mesmo assim você salvá-la e não aos seus sobrinhos poderá ser a morte de sua irmã em vida. Ela poderá te odiar pelo resto de seus dias.

Esse é um cenário simples, com lógica simples para um problema complexo.

Se fosse apenas um sobrinho (25%) e não quatro (100%), ainda assim sua irmã defenderia a mesma atitude. Você não teria escolha!

Filhos são prioridades para seus pais. As mulheres, como são em médias mais emocionais, expressam nada menos, nada mais do que o... AMOR DE MÃE. Um amor genético, completo, incondicional e absoluto.

Nós sabemos disso, porque somos frutos desse amor. Gostamos tanto desse carinho e amor sem fim, que chegamos a extrapolar para “pátria mãe”, “mãe natureza”, "coração de mãe", ou frases como “você é uma mãe para ele!”, pode-se tudo “na casa da mãe Joana”.

Filhos representam mais do que uma média de 50% de genes compartilhados. São frutos de competição e seleção sexual acirradas, estratégias de sobrevivência e investimentos energéticos. Filhos são a continuidade da vida, fluxo de genes ininterrupto de nossos ancestrais.

Lembro de um final de manhã em 2005, quando ao voltar do trabalho meu filho Daniel correu pelo corredor para os meus braços gritando “paiinhooo”. No abraço de meu filho eu fui pleno, naquele momento me senti um dos homens mais felizes do mundo.

As mãos pequenas, os cabelos sedosos, a pele macia, o sorriso encantador de Daniel e Gabriela... É assim, estar com meus filhos é ter descargas de endorfinas em meu cérebro. Eu os amo e sei que esse sentimento é fisiológico, bioquímico, genético, está na carne e ossos do meu corpo.

Confesso que tinha crises de niilismo antes de ser pai. Após o advento de meus filhos, a natureza se fez presente, a dúvida da existência me abandonou e passei a ter certezas emocionais.

Guerras, fome, doenças, animais perigosos, proceras poderosas, mares revoltos, incêndios nas planícies, vulcões e cometas. Nossos ancestrais enfrentaram tudo isso, para você e eu hoje estarmos sentados aqui na frente de um computador.

Você representa uma linha contínua no espaço e no tempo do fluxo de genes. Respeite seus ancestrais, não deixe o esforço deles ser em vão: reproduza!

Superporpulação?! Isso não ocorre com outras espécies, porque elas possuem controles populacionais determinados por barreiras biogeográficas, predadores, parasitas, doenças e recursos ambientais limitados.

Caso nossa população ultrapasse o limite ecológico suportável neste planeta, muito provavelmente haverá pandemias, fome e morte de milhares, ou milhões (será que isso não está acontecendo hoje?).

A natureza sempre encontra um caminho. Ela nos ama como uma mãe, mas é corretiva e educadora. Ela dá, ela toma!

Nosso dever é retribuir à altura esse amor!

domingo, 7 de dezembro de 2008

O que é vida?


Após a publicação do texto "O coleóptero de Kafka, a vida, a morte e a beleza da matéria ", perguntaram-me pelo conceito de vida e as referências bibliográficas que fundamentam as idéias apresentadas.

Primeiro, a vida é um estado particular da matéria que apresenta individualidade, metabolismo, reprodução, evolução por seleção natural, auto-organização (autopoiese) e conteúdo de informação (complexidade).

Segundo, a bibliografia sobre vida, morte (neurofisiologia) e universo estão na seção Referências deste Blog.

Sobre a vida minhas palavras são fundamentadas em Lewin (1994), Gell-Mann (1996), Davies (2000), Fortey (2000), El-Hani e Videira (2000) e Margulis e Sagan (2002).

Sobre a morte, ou melhor a neurofisiologia, sempre estou influenciado por Damásio (1996, 2000).

Sobre o universo o texto é baseado em Barrow (1995), Hawking (1996, 2006), Smolin (1997), Hawking e Mlodinow (2005).

As obras de Kafka, Nietszche e Sartre que são citadas no texto, mas não estão na seção Referências deste Blog são:

Kafka, F., 2000 [1920]. Cartas a Milena. Itatiaia Editora.
Nietzsche, FW., 1995. Assim falou Zaratustra. 8 ed. Editora Bertrand Brasil.
Sartre, J-P., 1998. O ser e o nada – Ensaio de ontologia fenomenológica. 6 ed. Editora Vozes.
Sartre, J-P., 2000. A náusea. 10 impressão. Editora Nova Fronteira.

O que acontece com nosso cérebro durante a morte eu li em um livro sobre experiências do quase-morte, que não consta nas referências do Blog:

Blackmore, SJ., 1986. Experiências fora do corpo – Uma investigação com base em pesquisas realizadas pela Society for Psychical Research. Editora Pensamento.

Sobre Taoísmo e Budismo eu me inspirei em:

Gaarder, J., Notaker, H. e Hellern, V., 2000. O livro das religiões. Companhia das Letras.
Lao-Tsé, 2003. Tao Te Ching – o livro que revela deus. Editora Martin Claret.
Schopenhauer, A., 2001. Da morte – metafísica do amor – do sofrimento do mundo. Editora Martin Claret.

Ler é tudo, escrever mais ainda!
Enjoy it!

sábado, 6 de dezembro de 2008

Uma breve história incompleta sobre meu tempo


Aproxima-se meu aniversário em dia 31 de dezembro, quando completarei 37 anos de vida após o parto. Como sei que ninguém estará lendo Blogs nesse dia, escrevo aqui uma breve história de meu tempo por pura nostalgia.

Eu tinha cerca de 12 anos, morava na cidade de Bayeux - PB e estudava no Colégio Estadual D'Ávila Lins. Não lembro o motivo que me levou até a Biblioteca Municipal, mas sei que fui espontaneamente conduzido por curiosidade.

Estava eu e outros colegas da escola. Lembro de procurar e folhear livros por causa das gravuras. Parei para ler um: "Moby Dick" de Herman Melville. Simplesmente continuei lá, parado e absorvido pela história.

Daí por diante, todos os dias, no horário do intervalo ia até a biblioteca ler Moby Dick. Levou semanas, mas era como um ritual sagrado. Não era a baleia branca, ou a obsessão do capitão Ahab que me aprisionaram, mas sim a descrição da rotina de Ismael através do mar, as baleias capturadas, a sensação de estar tão longe de tudo em meio a uma das maiores aventuras de minha vida.

Depois que conclui Moby Dick, comecei a ler "As Viagens de Marco Polo", mas não consegui terminar. Acho que fiquei intimidado pela curadora da biblioteca, ou simplesmente fui pego pelo período de provas na escola.

Ler passou a ser rotina para mim, algo como procurar e descobrir as coisas. Só havia um problema: não tínhamos livros em casa. De forma estranha passei a ter um prazer enorme em ler os livros didáticos da escola. Física, Química, e, sobretudo, Biologia me fascinavam. Lá haviam respostas do porquê do céu ser azul, como se formam nuvens (chuvas e raios), a diversidade animal e vegetal. Estranho, porque o mundo mudou drasticamente para mim, mudança é aprendizado.

Não fui motivado por nenhum professor nessa época. Sou uma exceção em meio aquele tempo, onde a precariedade da escola pública simplesmente era um descaso político-social... infelizmente ainda é.

Nesses anos de 1980, um grande amigo meu chamado Edilson (o "Didiu") me emprestou um monte de LPs de várias bandas: A-ha, The Cure, Iron Maiden, Scorpions, Saxon, Whitesnake, etc. Didiu também me emprestou um livro chamado "Pensamentos" de Blaise Pascal. Tanto os LPs, quanto o livro pertenciam ao amigo dele, Walter.

O fantasma de Pascal passou a habitar minha mente.

Cerca de um ano depois, recebi uma visita de um garoto chamado Getúlio Luis de Freitas. Ele me pediu meus discos do A-ha emprestado. Getúlio morava há dois quarteirões de minha casa, mas não lembro de esbarrar com ele nas ruas antes disso.

Eu estava em crise de adolescente, tentando entender as coisas do mundo. Já estava cético com todo aquele mundo de personagens míticos invisíveis (santos e seus corolários), que misteriosamente pareciam favorecer ricos e ignorar toda a dor dos pobres. Não sabia na época, mas minhas raízes estavam já cravadas no ateísmo.

Getúlio era filho de uma professora. Ele teve incentivo para leitura na sua casa e livros, muitos livros. Foi ele quem no início de nossa amizade emprestou-me todos os livros de Kafka e Nietzsche. Sentava com ele ao portão de minha casa e conversávamos sobre o universo, seres vivos e um pouco de sociologia.

Ali em um subúrbio pobre, numa periferia abandonada... Costumava ler, conversar com Getúlio e admirar estrelas.

Bem, Getúlio não era de festas, e também não era um garoto muito sociável. Por isso, minha embriaguez e procura por namoradas foram feitas como qualquer adolescente normal da década de 1980. Tinha outros colegas e saia nas noites de sábado.

Mas quem estava do meu lado sabia, o quanto eu era "esquisito".

Meus pais não entenderam minha progressão pelos livros e o teor de minhas perguntas. As músicas que escutava já não eram as do Bon Jovi (considerado uma rebeldia na época), mas Metallica, Megadeth, Slayer... Estava no ápice de meu inconformismo.

Enquanto servi o exército em Brasília no ano de 1990, Getúlio passou no vestibular para Ciências Biológicas na UFPB. Trocamos correspondência sobre cerrado, animais e aventuras na natureza selvagem. Quando retornei à Paraíba, ele novamente foi minha inspiração. Resolvi ser biólogo e abraçar profissionalmente o planeta vivo que já amava na época.

Os livros que lembro dessa época enquanto estudava para o vestibular ainda estão vívidos em minha mente: "A Bagaceira" de José Américo de Almeida, "Dom Casmurro", "Contos" e "Memórias Póstumas de Brás Cubas" de Machado de Assis, "Vidas Secas" de Graciliano Ramos, "O Cortiço" de Aluísio de Azevedo e "Os Sertões" de Euclides da Cunha.

Lembro que tirei o primeiro lugar nos classificados para Ciências Biológicas na UFPB em 1993.

Didiu foi assassinado! Um marginal bateu-lhe com um porrete na cabeça e seu corpo ainda vivo caiu em um braço de rio que pertence ao estuário (mangue). Segundo laudo, morreu afogado. Passaram-se dias até encontrarem o seu corpo em decomposição. Lembro do cheiro terrível, do parente dele que soltou a alça do caixão vomitando, lembro de substituí-lo, carregá-lo até a cova. Meu amigo assassinado.

Sempre que escuto U2 e The Cure lembro dele em crise. Enquanto tínhamos nossos 17-19 anos, ele estava com seus 30, era pobre, desempregado, gostava de maconha, rock'n'roll, foi gótico, new wave e punk... ou tudo ao mesmo tempo. Didiu via a vida de forma diferente das pessoas comuns.

Na universidade, eu e Getúlio tomamos caminhos diferentes. Encontrei grandes amigos por lá como Alexandre, Élvio, Eduardo, Emmerson, Quick, Akemi, Rocha, Gindomar, entre as desculpas que peço por não citar todos.

Participei de confrarias literárias e científicas como a dos Lunáticos e dos Quatro Elementos. Senti-me em casa, porque sempre quiz estar ali.

Todos os meus amigos confrades hoje são professores universitários. Uns fizeram doutorado no Brasil, outros na Austrália, Estados Unidos e Inglaterra. Eu estava entre gigantes, rindo com eles, discutindo sobre Ecologia, Heavy Metal, Evolução e Comportamento Animal!

Não tinha uma obsessão por uma baleia branca, mas fui um menino que adorava a rotina no navio. Apaixonei-me pela ciência e todos os caminhos que me levam para o mar.

A vida, a história, o mar e as baleias continuam!

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

O coleóptero de Kafka, a vida, a morte e a beleza da matéria






Qual o objetivo da vida?

Quando eu era um adolescente ordinário, passei muito tempo procurando uma resposta para essa pergunta. Pensava que seria uma resposta tão complicada, que eu deveria ler e estudar muito por toda uma vida. Nas décadas que se passaram após a adolescência, em meio a minha pesquisa com a natureza compreendi processos evolutivos, deparei-me com fatos ecológicos, presenciei e manipulei em minhas mãos muita vida e muita morte. Ainda hoje me assusto com a simplicidade da resposta que encontrei.

Primeiro, surpreenda-se... não citarei um artigo científico, ou uma obra filosófica clássica, mas um trecho de uma carta:

"
Enquanto estava ali sentado, a um passo de distância vi um coleóptero caído de pernas para cima, desesperado, não conseguia endireitar-se, gostaria de tê-lo ajudado, era tão fácil ajudá-lo um pouquinho, mas sua carta fez-me esquecer o inseto, além do mais não podia erguer-me, até que uma lagartixa obrigou-me a prestar outra vez atenção à vida circundante; dirigia-se para o besouro, que já estava imóvel; não havia sido então um mero acidente, pensei, porém uma agonia mortal, o pouco freqüente espetáculo da morte natural de um animal; mas ao passar com rapidez a lagartixa sobre ele permitiu-lhe endireitar-se; ficou um momentinho quieto como morto e depois se precipitou – como se fosse a coisa mais natural – e subiu pela parede da casa. De algum modo isto me infundiu um pouco de ânimo a mim também; ergui-me, bebi leite e comecei a escrever-lhe.” (Franz Kafka, 1920 – Cartas a Milena)

A vida é expressão animada e consciente da matéria.
O objetivo da vida é ela própria. Da persistência do coleóptero de Kafka até o caminhar lento da velha coxa em "A Náusea" de Sartre.

Por que nós humanos existimos?

Posso arriscar uma resposta para além de meu tempo: existimos porque é propriedade da matéria gerar consciência acurada de si própria.

Isso não quer dizer que o universo estava grávido do ser humano desde sua origem. Mas, que a matéria combinar-se-á no tempo e espaço de tal forma a experimentar a si própria, interpretar seus sinais, viver em miríades de seres conectados para a compreensão de si mesma.

Também não confunda o sentido da existência física da matéria com algum designo divino e pessoal. Apenas nós humanos temos uma percepção falha de que a vida se manifesta sem matéria. Já escrevi aqui neste Blog (clique: "
Olhos Pleistocênicos") que os dados da neurofisiologia mostram que nosso cérebro não pode compreender o “não-existir”, porque esse órgão e nosso corpo simplesmente existem. Um cérebro morto não funciona, ou seja, a morte não pode ser uma experiência de um corpo vivo! Concordo também com os neurologistas que afirmam ser a projeção de vida pós-morte e crença em deuses, resultado do crescimento da cognição fisiológica de nosso corpo (cérebro). Acreditar em deuses e ter fé é algo anatômico e neurofisiológico. Isso é necessário para dar uma lógica em um órgão que passou a compreender que vai morrer, sem nunca ter passado por essa experiência. O cérebro vivo conhece seu destino de não mais sentir nada, por isso não “morremos”, como é de comum entendimento, o mais correto é “cessamos de existir”.

Hoje sabemos até que temos defesas neurofisiológicas para atenuar o terror desse momento. No cessar de nossa existência, quando o oxigênio faltar no cérebro, haverá descargas maciças de endorfinas que nos darão a sensação de paz e alucinações agradáveis (veremos entes queridos, teremos até a impressão de voar). Por outro lado, a região da visão ficará tão excitada que teremos a sensação de ver uma luz... voaremos para ela! “
Vá para luz Caroline*!”

Depois da luz... escuridão e não mais existir na forma de indivíduo.

Se há terror nisso é o terror da matéria viva voltando a ser o que era: poeira das estrelas. Nós somos muito mais sensíveis a isso, por causa de nosso amor próprio e apego a nossa individualidade. Não suportamos a idéia de que não mais estaremos aqui entre a beleza da vida e pessoas amadas.

Se queres um consolo, saiba que a morte não é para todos os grupos de seres vivos. Vírus, bactérias e muitos protozoários são fisicamente eternos. Nós e o ambiente podemos destruí-los, mas eles por si só não definham e morrem. Se há ambiente favorável e alimento contínuos, permanecerão lá, vivos pela eternidade.

Morte é uma característica de nós seres pluricelulares sexuados!!! A origem dos Metazoa (pluricelulares com tecidos verdadeiros) e do sexo são, pois, a origem do ciclo entre vida e morte neste planeta.

Estamos estudando a genética e fisiologia por trás desse fenômeno para entender porque bactérias são eternas e nós não. Um dia, quem sabe, poderemos viver livres do “não-existir”... Hoje continuamos entre “O Ser e o Nada” de Sartre.

Há aqueles que apostam que criaremos um novo tipo de vida inteligente através da pesquisa com robôs e inteligência artificial. Robôs com “personalidade” seriam eternos com necessidades energéticas independentes dos ecossistemas da Terra. Minerais e energia para seu funcionamento e reposição de suas partes poderiam ser extraídos em outros planetas.

Essa nova vida da matéria guardaria na lembrança toda a poesia, música e sentimentos dos deuses humanos que os criaram. Primatas que sucumbiram junto com seus ecossistemas na morte da Terra**.

O que é o universo?

O universo simplesmente é!

Temos limitações evolutivas em nossas mentes para buscarmos na atualidade o conhecimento completo do absurdo que é o universo. Somos parte dele, mas o universo não é apenas o ser humano, não possui objetivos humanos, mas sim bilhões e bilhões de sóis indiferentes***.

Nunca confunda uma teoria da Física para descrição do universo e suas propriedades com a existência do universo. O universo é!

Se ele continuará em expansão, ou haverá o “big crunch”, ou se estabilizará, se ele é inflacionário, o que é a matéria escura, se existem universos paralelos... são questões da Física Moderna. O universo continua aqui entre nós. Ele é!

Como bem escreveu Nietzsche “o valor da vida não pode ser avaliado”. Para o advento da vida são necessárias condições planetárias muito especiais. Quando ela surge pela transformação da matéria, gera por autopoiese uma grande e complexa rede ecológica de seres vivos que parece um colosso visto do cume de uma montanha, embora frágil e delicada vista do espaço.

Reflexões sobre a beleza da matéria

Estar vivo, mesmo momentâneo e breve que seja, é tão especial que há comandos genéticos em todos os seres vivos para que eles se auto-preservem, lutem contra à morte até o fim de suas forças... Como vimos no besouro de Kafka e nas folhas que o outono leva ao chão****.

Para quem leu um pouco sobre religiões, o que está escrito aqui é muito similar ao Taoísmo e Budismo. Desapegar-se de si no momento da morte é reconhecer que nossos corpos (carbono, nitrogênio, fósforo, etc.) voltarão a se transformar em matéria não-viva, integrarão novamente o Todo (Taoísmo). Nesse sentido, o não-existir da matéria não-viva é muito semelhante ao Nirvana (Budismo)... e o Todo é Tao, é Deus, é a matéria, é o universo!

A matéria viva possui beleza e encanto, múltiplas formas de existir e interagir com a matéria inanimada. Mas esta última é absoluta, e possui características tão sublimes que não há beleza humana viva que se compare a simplicidade e perfeição de um jato de água.

Um dia deixaremos de ser nós mesmos, nesse não-existir da individualidade nossas partes transformadas se encontrarão em rios, nuvens e cometas.

Seremos novamente um só... na beleza da matéria!

(*) Frase clássica do filme "Poltergeist" (Steven Spielberg e Tobe Hooper, 1982)

(**) Mesmo que conservássemos tudo com perfeição, nosso Sol irá se tornar uma supernova e devastará a vida deste sistema planetário.

(***) Citação à música "Indifferent Suns" da banda Dark Tranquillity.

(****) Letra da música "Exército de um homem só" dos Engenheiros do Hawaii.
 
BlogBlogs.Com.Br