Além dos órgãos já mencionados você é seus pêlos, unhas, baço, pâncreas, intestinos, fígado, vesícula biliar, estômago, coração, vasos, medula, sangue, tecidos de preenchimento, olhos, língua, ouvidos, dentes, boca, reservas energéticas, glândulas, muita bioquímica, pulmões, água e quilos de ar para viver oxidando alimentos!!!
Faltar ou falhar uma de suas partes não é nada fácil para continuar vivo... faltar tudo então... é não existir, pelo menos do jeito que você é hoje (um primata!).
Como fazer a sua consciência (que é um conjunto de padrões de descargas neuro-eletroquímicas) se manifestar sem o seu corpo que gera a sua identidade, provê sua subsistência e manifestação? Novamente... metafísica, pura metafísica!
Pode haver outra forma de matéria consciente ainda não detectada? Aprendi que no universo apenas o absurdo é possível. Por exemplo, vivenciamos com nossos sentidos e aparelhos científicos apenas 5% da matéria do universo. Os outros 95% denomina-se genericamente como "matéria escura" e é conhecida apenas teoricamente, ou com poucos indícios observacionais.
Caso haja alguma manifestação de consciência nesse tipo de matéria... ela deverá ser bem diferente da nossa produzida com corpos de primatas.
Vida parcial pós-morte
Os membros da Academia Brasileira de Letras se autodenominam imortais. Estão certos, pelo menos parcialmente.
Obras literárias, arte, música, arquitetura, filosofia, hipóteses e teorias científicas atravessam os séculos, seus autores vão juntos. Nomes como Galileu Galilei, Mozart, Machado de Assis, Sartre e Carl Sagan estarão vivos até o fim da humanidade, ou mesmo sobrevivam depois disso em bancos de dados digitais a serem descobertos por outras formas de vida inteligentes.
Não é fácil brilhar nessa constelação, mas a recompensa é tão gratificante que é quase um objetivo da vida dos grandes humanos escreverem pelo menos um livro.
Após a morte de um grande vulto humano ele se torna sublime, porque mesmo lendo e escutando suas palavras, não presenciamos a parte corporal morta. Não os vemos dormindo, comendo, ou de porre numa festa de fim de ano.
Confesso que sempre faço um discurso desse nível para meus orientandos. Deixo bem claro que se nossos trabalhos e hipóteses forem feitos com esmero, muito provavelmente um pouco de nós será eterno.
Entes queridos constituem outra forma para que um pedaço de nós continue vivo após a morte e nossos filhos são a continuidade do fluxo gênico ancestral.
As recordações, fotos, vídeos, na maioria das vezes, estarão guardadas com carinho e respeito aos mortos amados. Por décadas seus entes queridos poderão até visitar seus restos mortais, conversar saudosamente sobre nós, ou até chorar de saudade. Entretanto, conforme o tempo passar, seremos representados apenas lápides seculares... esquecidas no Pomar de Ossos e Pó.
Essa alternativa de vida pós-morte é real, mas lembre-se que o maior interesse é sobreviver para sempre como somos agora. Isso é impossível nesta segunda alternativa.
Apenas parte de nosso trabalho e relações humanas permanecerá... nós de verdade não.
O Nada Absoluto
Ainda escreverei sobre o tempo aqui, é importante compreendermos que sentimos e mensuramos o que não conseguimos definir. Pelo menos da forma acessível, pois Santo Agostinho dificilmente aceitaria a definição do tempo como singularidade a partir do Big Bang proposta por Stephen Hawking.
O importante agora é entender que Martin Heidegger, após Nietzsche propor nos voltarmos para nós mesmos e não mais metafísica, trouxe a idéia do Tempo como essência para o ser humano. Chegamos a pensar erroneamente que nós éramos os únicos animais que percebíamos passado e futuro como forma de compreender o presente. Chimpanzés e elefantes guardam consigo recordações e apresentam comportamento de compreensão do futuro.
Sartre não sabia disso, mas mesmo sem esses dados ainda não disponíveis em sua época, negou que o tempo poderia ser a essência que definia nossa existência como humanos. Ao invés de "Ser e Tempo" de Heidegger, Sartre propôs "Ser e Nada".
Em "A Náusea" de Sartre há uma passagem ótima (pg., 145) como exemplo da percepção desse vazio em relação ao tempo:
"Lancei um olhar ansioso ao meu redor: só o presente, nada além do presente. Móveis leves e sólidos, incrustados em seu presente, uma mesa, uma cama, um armário de espelho - e eu próprio. Revelava-se a verdadeira natureza do presente: era o que existe e tudo o que não era presente não existia. O passado não existia. (...) Agora eu sabia: as coisas são inteiramente o que parecem - e por trás delas... não existe nada".
Você leu palavras traduzidas do francês de um homem morto. Ele continua aqui em minha mente e agora neste Blog.
Sobre a possibilidade de vida após a morte, a primeira hipótese é pura metafísica, a segunda um consolo e a terceira a crueza da realidade como a ciência nos apresenta hoje.
Escolha o que melhor agrade a sua existência, antes que ela finde e seu corpo se transforme em pó.
Who wants to live forever
(Queen)
Feliz Natal!!!
6 comentários:
Mais um bom texto. Está se saindo um ensaista brilhante! Sobre lápides e cemitérios, desejo que um dia esse tipo de coisa suma do mapa! As pessoas se dizem crentes, acreditam que o corpo não é nada, e sim a chamada alma, mas ocupam solo, gastam energia, recursos financeiros e matéria nobre (mármore, bronze etc.), para guarda restos. Dizem acreditar na vida eterna, e quando seu ente vai para esse paraíso (ou não), choram de se acabar. Ora! quem tem razão de chorar um ente é gente como eu, para quem ou você está aqui, vivo e esperneando, ou já era. Tudo bem, os crentes podem chorar também pelos entes que morrem e com certeza irão para o chamado inferno. Afinal, lá é pior do que o Afeganistão com os diabos americanos no encalço. Eu quero ser mesmo é cremado. Gostaria de ter meu corpo jogado num mato qualquer, para uma reciclagem natural e rápida, mas não estamos evoluidos suficiente para aceitar isso.
GETULIO FREITAS
Pois é, ando tendo certa crise porque queria realmente escrever sobre tudo isso e mais ainda. Tem meu romance que fica rondando "my train of thought"... e eu com meus encargos acadêmicos.
São coisas que devo pensar com bastante calma e decidir o que fazer. Currículo com publicações em série são para pessoas que desejam um emprego público, ou para manter bolsas do CNPq, ou se manter como orientador em uma pós-graduação.
Tive essas necessidades por um tempo, porque sempre pensei em sair da URCA. Caso eu decida permanecer por aqui, não há motivos para não me dedicar inteiramente nesses projetos (meu romance e textos avulsos na internet, com posterior publicação).
São coisas que eu deveo resolver!
Até lá! Valeu pelas considerações! Concordo plenamente com você. Após minha morte, eu também gostaria de ser cremado e minhas cinzas jogadas no mar... sem urna especial para isso!
Sei que a decisão será de minha família... Portanto, fico no mundo do desejo!
Religião é uma organização política e empresarial de pessoas com "muitas certezas" para impor ao mundo inteiro... Quando essa organização possui armas então...
O inferno são os outros!
Abraço,
Waltécio
Caro Waltécio,
Me arrepiei ao ler esse post, inspirado no Natal do Menino Jesus. Então, me vi na segunda opção, imagina morrer e deixar nosso legado na Terra, embora muitos trabalhos publicados atualmente não ganhem nada mais, nada menos, do que gaveta, sem um uso interessante para a sociedade seja lá de que táxon for. A terceira é um elogio àqueles que morrem sem deixar rastros, nem ao menos um pingo de dor com a ausência do sistema nervoso, virando alimentos da fauna edáfica, fungos e bactérias, nos espalhando pelo mundo. Enfim, nos refletindo naquilo que deveríamos primar por, nosso futuro hábitat e "forma de vida" -> a terra, e uma outra pequena parte dos corpos aquáticos e atmosfera.
O grande Freedie Mercury se mantém imortalizado em nossas mentes.
A canção Under Pressure, move minha militãncia, extensão, pesquisa e masturbação intelectual necessária às provas.
E mais uma vez, parabéns pelo texto.
Obrigado pelo comentário, Allyson!
Eu também prefiro e já optei pela segunda hipótese. Falo isso em meu laboratório para meus orientados freqüentemente.
Todavia, a terceira hipótese deve ser a mais crua das realidades!
Enquanto estamos aqui, façamos um bom trabalho e tentemos deixar o mundo mais leve e belo.
Abraço,
W.
Walzinho, Feliz ano novo. Espero que vc beba todas que ainda faltam para esse ano!!!
BJAO
:D
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