
No post "A mesma velha e nova coisa" expus minha inquietude sobre a onda relativista e do fim de todas as coisas proclamado pelos pós-modernistas do final do século passado. Nesse post também escrevi que meu orientador, Martin Lindsey Christoffersen, andou lendo muito sobre pós-modernismo no final da década de 1990.
Bem, em uma de nossas conversas no Laboratório de Filogenia dos Metazoa (Universidade Federal da Paraíba), certa vez Martin me questionou assim:
"Há questões filosóficas complexas, por exemplo, a existência humana. Precisamos de um referencial crítico para que possamos existir. Por exemplo, você existe neste mundo de pessoas que te conhecem e comprovam a sua realidade, mas em outro país, ou mesmo cidade, você é desconhecido entre milhões de pessoas, por isso, nesse mundo... você não existe! Se existir é relativo, então como nós podemos de forma absoluta responder que existimos?"
Eis o jogo da existência: bola em campo!
Confesso que fiquei chocado com essa pergunta, tanto que olha eu aqui a escrever sobre isso mais de uma década depois!!! Não lembro nem do que estávamos conversando naquele momento, mas a possibilidade de minha não-existência permaneceu sólida e cristalina através dos anos que passaram.
Eu sei que o relativismo dos pós-modernistas é apenas discurso retórico, muitas vezes repleto de termos científicos citados de forma equivocada, dos quais, entre os preferidos, posso citar caos, mecânica quântica, sistemas e a teoria dos conjuntos.
Sobre esse assunto, quem desejar ler mais a respeito, recomendo a leitura do livro:
Sokal, AD. e Bricmont, J., 2006. Imposturas intelectuais: o abuso da ciência pelos filósofos pós-modernos. Editora Record.
Sobre a questão expressa por Martin, digo que eu e ele existimos sim, tanto quanto as paredes deste quarto que estou. Questionar a realidade apenas por retórica é gerar discurso pelo discurso.
Mesmo assim, eu passei a ter um cuidado especial com a existência. Ou seja, em um mundo de 6,5 bilhões de humanos, existir para a humanidade passou a ser um grande desafio. Humanos universais em diferentes áreas formam uma minoria de eleitos, macacos alfa sublimes!
Não estou me referindo a uma classe social, ou sistema político específico, falo dos grandes vultos da humanidade, algo como Charles Darwin.
Da mesma forma, não estou abordando à fama simples e pura. Ser famoso não garante reconhecimento algum, sem contar que fama é um tipo de "moda", algo popular em um determinado momento. Como toda "moda", a fama vem e vai, estrelas tão famosas de hoje podem ser completamente esquecidas em meses.
Novamente, estou me referindo a algo como Charles Darwin. Ele não é moda, ou fama... foi e é um dos maiores humanos de nossa história.
Como chegar a um patamar existencial dessa natureza? Primeiro, o melhor caminho é a despretensão, pois desconheço a história de um grande vulto vivo, ou morto que dimensionou a expansão de sua existência para toda a humanidade. Segundo, criar uma contribuição significativa para um determinada área, porque ninguém é reconhecido pela humanidade por ter espasmos de ócio e assistir TV.
Isso pode ser desinteressante para alguns, ou soar pretensioso para outros, mas está no porão de todas as ações humanas em nossa volta. Por exemplo, na busca pelo reconhecimento, alguns forçam bastante a barra... rsrsrs!!! Só porque alguém terminou uma faculdade em Artes, não quer dizer que seja um artista, da mesma forma os auto-intitulados cientistas e filósofos, que deveriam se identificar como professores dessas áreas.
Adjetivos magnos como artista, cientista e filósofo são resultado de reconhecimento da atuação e obras realizadas. Não existe uma receita, ou genética para isso acontecer. Há sempre uma história muito particular que reúne curiosidade, criatividade e empenho máximo naquilo que se constrói.
A escolha do tema abordado também poderá definir o tamanho que sua existência poderá alcançar. Por exemplo, eu sou hoje um dos maiores especialistas em pentastomídeos (parasitas) do mundo (*). Entretanto, o interesse no assunto que eu pesquiso e escrevo é restrito a poucas pessoas.
O maior especialista atual em pentastomídeos é John Riley, Universidade de Dundee, Escócia. Há outros que possuem interesse nesses animais como Dieter Waloszek, Universidade de Ulm, Alemanha. Entretanto, Dieter é paleontólogo e não trabalha com pentastomídeos recentes, nem tão pouco está dedicado apenas aos estudos desses parasitas. John Riley é o único na atualidade que dedicou sua vida profissional inteira ao estudo dos pentastomídeos em todos os aspectos possíveis (sistemática, embriologia, ecologia e história natural). No meu caso, só peguei um pequeno pedaço para estudo: a evolução e biologia deles na região Neotropical.
Se um dia Riley e eu formos lembrados, será como autores de trabalhos sobre pentastomídeos, além dos graduados, mestres e doutores orientados por nós. Seremos lembrados por poucas pessoas!!! Afinal, pentastomídeos não fazem parte da fauna carismática como grandes gatos, macacos, baleias, etc.
Apesar disso, é muito satisfatório ver meus trabalhos citados aqui no Brasil e em outros países, trocar correspondência internacional, receber e enviar cópias autografadas. O pedido mais distante até hoje veio da cidade Kuala Lumpur - Malásia, feito por Hazreen Abdul Jabar, um orientado da professora Susan Lim Lee Hong da Universidade da Malásia.
Minha vida breve e a existência pós-morte não deverá ser magna como a de Charles Darwin, mas pelo menos eu existi na forma material da palavra e imaterial para aqueles que aprenderam, aprendem e aprenderão através de minha atuação no mundo.
Hoje responderia ao meu orientador: "Sim, Martin, nós existimos!"
Como em um jogo de futebol, passo a bola para você leitor: "tu existes?!"
(*) Semelhante a Dieter Waloszek, eu também possuo outros interesses científicos, além dos Pentastomida, tenho publicado sobre Onychophora, Nematoda e Polychaeta.