domingo, 15 de fevereiro de 2009

Discriminados: Idosos

No post a respeito dos deficientes escrevi sobre a possibilidade real de qualquer um de nós, por um acidente ou doença, passar de uma vida “normal” para uma outra de luta contra a discriminação. Mas isso é uma possibilidade e nunca poderá acontecer.

Algumas pessoas irão tentar “corrigir” seus “defeitos” utilizando conhecimento, métodos e tecnologias das ciências biológicas e da saúde. Por exemplo, o caso mais gritante foi à tentativa do cantor Michael Jackson de mudar a cor de sua pele. A justificativa de vitiligo não se sustenta, porque ele também afilou o nariz, modificou os lábios e a textura de seus cabelos. Foram tantas cirurgias que no conjunto sua aparência se tornou quase inumana.

A vaidade pela beleza corporal humana é algo muito efêmero.

Todas as cirurgias, implantes plásticos e lipoaspiração possuem limites para esconder algo que é comum a todos os seres humanos: a velhice!

Eis um vídeo famoso para dar abertura a este post:

Por que envelhecemos e morremos?

Poderíamos responder que todos os organismos são assim, mas não é verdade. O ciclo da vida que é ensinado nas escolas (nascer, crescer, reproduzir-se, envelhecer e morrer) só é válido para organismos pluricelulares sexuados. Há criaturas neste planeta que não envelhecem, tão pouco morrem, como as bactérias. A origem do sexo, talvez por uma corrida armamentista com parasitas ("hipótese da Rainha Vermelha"), está relacionada com diversidade genética e morte. Compreender os mecanismos por trás disso é buscar longevidade e um dia até a eternidade desejada.

A fantasia mais idealizada por nós termina com um casal idoso saudável, mentes sãs e conscientes... Eles deitam em suas camas, adormecem e com uma expiração profunda, morrem juntinhos, sem dor alguma... num eterno sonhar.
Se isso um dia aconteceu é motivo de uma boa reportagem televisiva. A expectativa média de vida no mundo de hoje é de 65 anos, no Brasil está em volta dos 60 anos. São cerca de 14,5 milhões de brasileiros, 8,6% da população total do país, segundo o último censo realizado pelo IBGE.

A maioria de nós enfrentará toda a sorte de doenças relacionadas à velhice. Após os 40 anos de idade sabemos nosso dever de ir ao médico para uma checagem anual... Depois semestral, mensal, diária... quando saímos dos cuidados médicos... começam os funerários!!!

Todos nós vamos envelhecer!!!

Eu trabalho com parasitas de répteis, em especial os pulmonares. Em 2007 e 2008 fui um dos autores de três publicações sobre infecção pulmonar em
Hemidactylus mabouia (as lagartixas noturnas africanas e invasoras conhecidas aqui no nordeste como “bribas”) (Anjos et al., 2007, 2008, Almeida et al., 2008). Constatamos que todos os animais juvenis estavam saudáveis, enquanto os mais velhos possuíam grandes graus de infecção. Doenças parasitárias podem acometer filhotes (como acontece com as crianças humanas em meio à miséria), mas os resultados apontam as lagartixas mais velhas serem os hospedeiros de maior probabilidade. Quanto mais tempo, maior o contato com alimento contaminado, maior o grau de infecção: os animais velhos sofrem muito mais.

Quando nos tornarmos idosos, seremos tão frágeis, ou mais ainda do que as crianças. No caso destas, enfrentar uma doença é dar continuidade a uma vida inteira pela frente. Nos idosos é enfrentar doenças sem esperanças de longevidade.

Meus alunos sabem que entre as condições para que ocorra seleção natural está a reprodução. Qualquer ser vivo que cesse sua capacidade reprodutiva está teoricamente fora do jogo evolutivo.

Ademais, o processo de seleção natural não possui um compromisso de aprimoramento ao bem estar, ou qualquer objetivo humano. Essa é a resposta para a existência de doenças degenerativas específicas da idade avançada. Isso se chama saúde em declínio.

Degenerar por causa do Mal de Parkinson, Alzheimer e uma sorte de tipos diferentes de câncer, não afeta o sucesso evolutivo da espécie humana. Essas doenças ocorrem na maioria das vezes nas pessoas idosas, muitos anos após terem filhos.

A fragilidade e dor dos idosos resultam ainda da seguinte lista: (1) perda de papéis sociais, (2) perda da autonomia, (3) morte de amigos e parentes, (4) isolamento social, (5) redução do funcionamento cognitivo e, na maioria das vezes, (6) restrições financeiras.

É um momento tão especial de nossas vidas que possuímos uma parte da medicina específica chamada geriatria. Começamos com pediatras, morremos com geriatras!

Próximos da escuridão da morte, tudo é crepúsculo em nossas vidas.

Nosso comportamento também apresenta um padrão, temos identidade sócio-cultural estabelecida em nossa adolescência. Pesquisas mostram que até as melhores hipóteses e teorias científicas surgem em mentes jovens. Após os 30 anos estamos estabilizados, já cheios de nossas manias e acima dos 60 anos não seremos mais passíveis de modificar muito em nós mesmos. É algo fácil de ver, nossos avós não passaram a gostar da música que escutamos hoje, pelo contrário, tentam mostrar as que eles escutavam e escutam... Nossos avós acham tudo de sua geração muito melhor do que qualquer outra.

É uma necessidade para sobrevivência! Nosso cérebro constrói regras e imagens a respeito do mundo. Somos o que somos desde a última grande glaciação, uma mudança climática global ainda não repetida desde então. Nossas mentes compreendem padrões locais e globais, essas informações são usadas e transmitidas para o manejo e uso dos recursos necessários à nossa sobrevivência. Uma tradição é a soma de conhecimentos obtidos por tentativas de erros e acertos. O saber sobre as plantas e os animais medicinais, técnicas de agricultura e pecuária, etc. Isso é a informação aprendida em uma vida que deve ser ensinada aos mais jovens.

Os idosos são verdadeiras enciclopédias vivas. Eles sabem de verdades e não podem mudar muito o que descobriram. É um papel dos jovens aprender com eles e avançar em conhecimentos.

Entretanto, desde a década de 1980 foram realizadas pesquisas em escolas e universidades, cujos resultados demonstraram a seguinte realidade: quanto maior a idade do professor, haverá menos alunos interessados em suas aulas.

Dois exemplos:
(1) Robert Anthony Coler é um ecólogo norte-americano aposentado. Ele veio ao Brasil e foi professor visitante de Ecologia II na UFPB... Ele foi meu professor por um semestre. Certa vez, Robert A. Coler estava sentado na cantina, eu, Alexandre (hoje professor da UFRN) e Rômulo (hoje professor da UEPB) fomos lá conversar. Claro, fizemos a pergunta mais comum: por que ele havia decidido se aposentar e vir para o Brasil? Ele respondeu com seu sotaque americano:

Os alunos não queriam mais assistir minhas aulas, porque sou velho! Então resolvi me aposentar e tentar continuar meu trabalho onde queiram me ouvir!

(2) Minha primeira orientadora de Iniciação Científica foi a professora aposentada Maria Alves de Souza (conhecida como “profa. Branca”). Ela era botânica pesquisadora de fungos (micologista), embora tenha me colocado para trabalhar com samambaias. Lembro bem das brincadeiras e reclamações de meus amigos de graduação com as aulas da profa. Branca. Ela falava muito de seu passado e todo mundo achava engraçado, embora entediante.

Vamos resumir o quadro:
1) Pessoas idosas não são belas, segundo os padrões de beleza da mídia (cada vez mais juvenis).
2) Pessoas idosas estão enfrentando doenças degenerativas específicas da idade e ainda combatendo os velhos inimigos (pe., gripe) com seus sistemas imunológicos fragilizados pelo tempo.
3) Pessoas idosas são detentoras de conhecimentos completos, mas enfrentam preconceito por causa de sua idade.

Não é um quadro nada animador! A realidade brasileira é uma das piores. Abandono, agressões e exploração dos idosos fazem parte de reportagens constantes que assistimos na TV:

Além dessa realidade, os programas de TV apresentam as pessoas idosas como “velhinho(a)s” simpáticos, felizes, passivos, sempre enfurnados dentro de suas casas. Quando ocupam um papel principal é para falar de doenças, ou na ficção de feiticeiros e bruxas. O pai de Homer Simpson é uma das melhores caricaturas de como o mundo de hoje trata os seus idosos.

Verdade que os erros do mundo que vivemos foram cometidos por eles, assim como todos os acertos!

As guerras e a reconquista da paz, os nossos primeiros passos fora deste planeta, as belas músicas compostas, as universidades seculares, nós devemos tudo a essas pessoas. Seus genes eternos e de sucesso estão hoje conosco.

Se eu mesmo tiver saúde e sorte, gostaria de viver o máximo possível. Sei que será difícil, mas possuo coragem suficiente para enfrentar meu ocaso fisiológico. Claro, quando me imagino velhinho, prefiro me comparar a homens como Oscar Niemeyer na vida real e algo fictício como Lenny Savage (Philip Bosco) no filme A Família Savage (vale a propaganda aqui):


A minha banda favorita de heavy metal é o Sentenced. A maioria de suas músicas reflete a angústia e solidão humana no cessar da existência, a música “No One There” é uma das que retrata muito bem isso. Diferente da caricatura dos velhinhos nas propagandas de planos de saúde, aqui está representado em melodia, poesia e filosofia o que é nossa vida na realidade(*):

Se nós discriminamos nossos antepassados em vida, merecemos o escárnio do amanhã. Nos olhos de cada ancião está o nosso passado, como fomos concebidos, nossa infância que não lembramos. Eles sabem de tudo, de todo amor, eles dedicaram suas vidas por cada um de nós.

Ame o seu passado, seu futuro reside nele.


(*) Obs.: Após uma vida de exploração neste sistema capitalista, quando não se tem recursos o final da maioria de nosso povo é muito mais difícil do que o casal da música. Por isso, que prefiro o Socialismo!

4 comentários:

Waltécio disse...

Postado pelo camarada, Diego:

Fla aí camarada, blz?
To gostando do blog ein, até rock tem agora...heheheheh
Vi o artigo sobre idosos, gostei e tenho uma sugestão...A China (acredito que outros países socialistas tbm) tem um sistema de integração de idosos interessante, colocam os idosos que estão com as condições para o trabalho tradicional debilitadas em tarefas agradáveis e leves, como cuidar de crianças, jardins e tal, além de ser bom para o idoso é bom para toda a sociedade, já que este fica ativo na produção, acho que um dia vc poderia escrever sobre algo...A única fonte que me lembro é o livro HENFIL NA CHINA, do próprio Henfil,o problema que é antes da reforma e abertura, um pouco desatualizado...Mas é isso...

Forte abraço e parabéns pelo blog.

Waltécio disse...

Anotado para fazer parte do epílogo da série sobre Discriminados!!!

Obrigado pelos elogios, camarada!!!

W.

Unknown disse...

É. O fardo do tempo é inevitável.

Unknown disse...

Não sei pq imaginei logo que teria o clipe de No on there do Sentenced!!! rsrs
Ficou ótimo!

 
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