Divina teve uma longa e particular história. Depois de eclodir de seu ovo, logo cedo teve que se virar sozinha, caso ela demorasse muito em sua casa de origem sua mãe a comeria viva, literalmente. Dos perigos, conseguiu escapar de três lagartixas e em uma única vez de um pequeno sapo. Usando sua teia conseguiu embarcar em uma longa viagem via área até chegar ao cantinho rochoso dessa caverna acolhedora que é a sua casa, caro leitor.
Certo dia, Divina sentiu a vibração da teia. Não era comida agonizando, mas sim os toques delicados de um pretendente seu, o qual chamaremos "Jonas". Os fios da teia são tocados de forma gentil, apaziguadora, apaixonante e convidam-na à reprodução. Jonas aproximou-se e conseguiu transferir seus espermatozóides para Divina. Momentos depois, o ato foi completamente consumado com o banquete delicioso de seu amante, Jonas foi uma das melhores comidas da existência de Divina!
A faxina de sua casa veio antes de Divina por seus ovos e a parede agora está limpa. Em breve haverá outra pequena aranha lá e a pessoa que limpa sua casa nunca notará a diferença entre uma aranha e outra, nem tão pouco terá o mínimo de curiosidade por aranhas em geral. É apenas poeira e sujeira para limpar.
Aranhas minúsculas são pequenos detalhes de nossa diversidade biológica, por si só são os verdadeiros milagres da natureza e da matéria que compõe este universo.
Especismo chama-se a discriminação de espécies diferentes da nossa. Não é apenas uma questão de indiferença absoluta, como na história de Divina, às vezes há dor, escárnio, escravização e morte.
Deve-se sempre lembrar que discriminação de espécies não é igual a vegetarianismo. Grande parte da propaganda contra o especismo não passa de campanha de vegetarianos contra o consumo de carne. Plantas são seres vivos e nós também consumimos partes, ou até cadáveres inteiros dessas criaturas.
Outra confusão que se faz é com o uso de animais em experimentos de laboratório. Desconheço até hoje um profissional que inflinja dor, ou faça um trabalho com animais apenas por crueldade e sadismo. Lembro a todos que se souberem de qualquer abuso nesse sentido devem denunciar as autoridades competentes. Sem contar que toda universidade com pesquisas que envolvam animais em laboratório deve possuir um Comitê de Ética para julgar o mérito, averiguar os métodos utilizados e proteger as cobaias e humanos de qualquer abuso.
Já escrevi no post [clique] Ódio, o irmão gêmeo do Amor que nós primatas vivemos em grupos com identidades específicas, que, em vias de regra, demonstramos ódio xenofóbico aos estrangeiros. Se fomos capazes de transformar pessoas em bens de consumo e escravos, imaginem nosso sentimento para com as outras espécies?
É fato: quanto mais proximidade evolutiva temos de outras espécies, mais cresce nossa afeição. Vemo-nos a si próprios em mamíferos com mais facilidade do que em anfíbios, répteis, peixes, etc. Sem contar que o básico de nossas emoções está lá nos mamíferos, na forma em que elefantes choram de lágrimas à morte de um membro da manada. Isso nos comove de verdade!!!
Mesmo assim, temos uma sortileza de diversões sádicas com outros animais: touradas, rodeios, luta de cães, lutas de cavalos e a farra do boi estão entre os piores com mamíferos; com aves, além das gaiolas, há a rinha de galos.
Outros "passatempos" são mais "sutis" e possuem programas na TV como a "pescaria esportiva". Aquela na qual se enfia um anzol na garganta do animal, puxa-o até fora d'água onde, além da dor da garganta ferida, há a falta de ar e estresse fisiológico. Depois disso devolvem o animal com uma ferida aberta capaz de infeccionar e levá-lo à morte. Neste caso em particular, fazemos isso porque o crânio dos peixes possui uma cinética própria de seus ossos. Não há expressão facial de emoções como a dor, pouco menos gritos. Mas a dor está lá... intensa e na mesma medida que seria fazer isso com você. Imagine um anzol na sua garganta... sentiu? Puxando-o com toda a força para dentro da água... dá para ter uma idéia de como é estar dentro da água sem oxigênio, com um anzol na garganta?!
Para quem prefere uma linguagem mais formal, sites como www.pesca.com.br possuem textos sobre sobrevivência após o ferimento do anzol e sobrevivência ao pesque e solte (catch and release).
Algumas pessoas deveriam entender melhor como combater seu tédio jogando dominó, futebol, ciclismo e outras infinidades de atividades humanas.
Eu sou um zoólogo, trabalho com hospedeiros e parasitas, vertebrados e invertebrados ao mesmo tempo. As pessoas em minha volta sempre tendem a gostar e até identificar minha pesquisa com os primeiros, os parasitas passam longe... embora sejam o centro de minha atenção.
Não tem jeito, quem é do ramo sabe que na elaboração dos projetos para conseguir financiamento temos que justificar o trabalho ou com humanos, ou com uma fauna carismática. No primeiro caso, como estou trabalhando com parasitas, a conexão é clara, já que há milhares de humanos parasitados pelos animais que estudo. No segundo, aí sim, no meu caso não dá, não estou trabalhando com animais "queridos" como onça pintada, o mico-leão, as baleias, os golfinhos, cães e uma sorte de passarinhos coloridos. Eu estudo lagartos, cobras e sapos!
Em muitas culturas humanas, lagartos, cobras e sapos estão associados a coisas ruins, por exemplo, as poções mágicas das bruxas e a serpente demoníaca do Paraíso. Pior se falarmos em parasitas desses animais!!!
Isso também ocorre com plantas e vegetação como um todo. Embora o post seja sobre animais, vale escrever rápido que gostamos mais da vegetação onde evoluímos do que qualquer outra. As plantas com flores até de "superiores" nós chegamos ao absurdo de chamá-las. Entre os biomas, sempre preferimos as paisagens de savanas e campos abertos do que manguezais e caatinga. Quem não ouviu falar do monstro do Pântano?! Ou desqualificou alguém porque ele mora em um Brejo?! As pinturas de paisagens mais vendidas no mundo são de campos abertos e não de florestas tropicais. A sensação que sentimos ao olhar essas telas, especula-se, é como um déjà vu repleto de emoções de bem-estar... como se olhássemos para nossa casa, a savana africana onde surgimos como seres humanos.
Durante milênios os seres humanos desenvolveram códigos de etiqueta para esconder ao máximo sua animalidade. Hoje reconhecemos ser um tipo de animal entre os outros neste planeta. Isso não implica em nos transformar em criaturas que não somos, apenas identificar quem somos. Entretanto, humanos historicamente negaram ser animais, entenderam que eram algo muito diferente deles, sem qualquer conexão.
Chamamos zoomorfismo toda a comparação de características de animais em humanos. De forma inversa, há o Antropomorfismo, onde animais ganham feições humanas. Os dois estão errados! Se temos uma característica compartilhada com outros animais, isso implica na nossa história evolutiva, entender o que somos: animal humano. Nossa similaridade genética de 98,4% com os chimpanzés não implica dizer que somos um deles, somos irmãos deles!!! Todos mereceriam hoje estar no mesmo gênero: Homo sapiens, H. troglodytes e H. paniscus! Mesmo se ao invés de Homo, usássemos o gênero Pan dos chimpanzés, continuaríamos ser quem somos, apenas mais uma espécie entre outras, P. sapiens... ponto.
O antropomosrfismo é muito mais comum, entre fábulas, contos de fada, desenhos animados e filmes... animais ganham feições humanas, como Donald, um pato falante, que é tão primata (humano) ao ponto de adorar comer frango assado!
Animais possuem comportamentos similares aos nossos, afinal, estamos todos conectados pela evolução. Se as mulheres têm amor de mãe para dar aos nossos filhos, esse comportamento é compartilhado com todas as outras fêmeas dos mamíferos. Do mesmo jeito do parágrafo anterior. Ter amor maternal entre fêmeas e filhotes de baleias, não transformam elas em humanas... são baleias!!! Estão conectadas a nós pela história evolutiva dos mamíferos que somos. Semelhanças e diferenças entre animais, apenas isso.
Se pessoas são ignoradas nas ruas pela população, os animais e plantas estão no mesmo pacote. Um dos erros mais graves nos seriados de ficção científica está muito bem representado em Jornada nas Estrelas. As espaçonaves que cruzam o espaço por anos luz são estéreis, sem animais e plantas. Uma viagem à Lua, ou o conserto de um satélite é uma coisa, viajar espaço adentro é outra. Ambientes sem vida são nocivos para os humanos que somos, causam danos psicológicos graves. Na verdade, poucos aguentam trabalhar em um ambiente, no mínimo sem janelas. Chamamos de ornamentação o embelezamento de ambientes com plantas e em nossas casas além delas, há sempre um animal de estimação, ou pelo menos a promessa de um dia ter um.
Não estamos apenas conectados psicologicamente, porque somos seres muito semelhantes a vampiros. Ao invés de sangue, precisamos de nitrogênio, vitaminas, glicose, carbono, etc., etc. Tomamos tudo isso de outros seres, nossos pratos são um arranjo gurmet de cadáveres de animais e plantas. Gosto sempre de lembrar que precisamos de ambas as fontes de alimento. Os vegetarianos apontam o consumo de carne como algo deplorável, mas comer vegetais além de ser consumo de tipos de organismos mortos, também representa morte de animais diretamente, porque as áreas agricultáveis sempre representam desflorestamento e morte. Plantar para comer é o mesmo que matar. Criar para comer... idem! Matamos animais e plantas para viver!
Há muito apelo nos dias de hoje para que tenhamos respeito com a vida na Terra, mas poucas ações efetivas. Sofremos pela tradição secular, onde tínhamos a certeza de que todos os recursos deste planeta eram inesgotáveis, pior ainda, que animais e plantas foram criados para nos alimentar, serem nossos escravos e diversão.
Construímos armas com poder destrutivo apocalíptico... mas ficamos surpresos em saber que bactérias, baratas e gafanhotos sobreviveriam ao nosso inferno nuclear.
A Terra viu os seus diferentes filhos nascerem e morrerem durante bilhões de anos. Uma dessas espécies passou uma ínfima fração de seu tempo se auto-proclamando a mais bela e amada entre todas. Nós H. sapiens falamos de nós mesmos com arrogância, hedonismo e muitas vezes com malevolência escravista. Do outro lado, milhões de outras formas de vida falam, com diferentes linguagens, coisas do ontem e do amanhã... em um mundo onde humanos não existiam e talvez deixem de existir.
Animais como as baleias fazem parte do que a mídia classificou de fauna carismática. Canções em defesa das baleias foram feitas de Roberto Carlos ("As Baleias") até bandas como A-ha ("We're Looking for the Whales" - "Nós Estamos Procurando pelas Baleias"). No meu caso, sempre que toco no assunto sobre discriminação e extermínio de espécies lembro da música da banda Megadeth "Countdown to Extinction" ("Contagem Regressiva para Extinção"). No vídeo abaixo foi feita uma montagem dessa música com cenas de caça "esportiva", são chocantes, porque é "diversão", sadismo e no caso das focas, vaidade por um casaco de peles:
No canto limpo da parede de sua casa haverá novos fios de teia. Outra pequena aranha descobrirá sua caverna moderna de alvenaria. Ela será muito diferente de Divina, mas isso nunca importa, não é mesmo?!
É estranho porque eu me importo!!!
6 comentários:
Excelente!
Valeu, Leon!
A espécie humana e todo reino animal, enquanto criaturas do onipotente, têm um pouco de divino, por conseqüência, o homem, dotado de inteligência, raciocínio e discernimento, tem a missão sublime de cuidar de si e proteger os animais. A Sociedade Protetora dos Animais, neste sentido, é um avanço, contudo, se faz necessário, uma conscientização maior. Maus tratos contra pequenos e indefesos são constantes, substituindo proteção por crueldade. Junte-se a nós! Participe!
"Tome partido. Neutralidade ajuda o opressor, nunca a vítima. Silêncio encoraja o torturador, nunca o torturado" – Elie Wiesel
Estou ao lado de vocês!!!
Força e coragem pelos nossos irmãos animais!!!
Waltécio
o autor sabe a que especie pertence o aracnideo da foto de abertura?
Olá Anônimo!
Há um mês atrás eu me empolguei muito com a possibilidade de fazer um artigo sobre parasitismo por Pentastomida em uma pessoa da região Sul do Brasil.
Um médico enviou-me duas fotografias que pareciam demais com ninfas ou do gênero Armillifer (origem africana - a paciente poderia ter viajado, ou tido contato com alimento contaminado importado, etc.), ou, forçando um pouco, de Porocephalus (origem neotropical - comer carne de cobra e lagartos está no cardápio brasileiro).
Solicitei o envio do espécime, mas este havia sido "descartado". Aí veio meu grande erro, eu não ouvi o "bom senso" taxonômico, aquele que a gente aprende logo no início do curso de Biologia... Apenas pela foto insisti em manter a proposta de um artigo.
Logo em seguida, um exame médico acurado realizado por uma pneumatologista demonstrou que aquilo que parecia parasita, na verdade era um tipo de formação brônquica cônica e haviam muito mais na paciente.
...
Esse é um resumo de uma história que levarei comigo sempre. O "bom senso" taxonômico é como um imperativo hoje para mim: identificação só por exame de espécime, nunca por fotos.
A foto de abertura eu catei na internet e, devido a pequena história acima, prefiro nem arriscar nome de família!
Entretanto, qualquer dúvida sobre aracnídeos, recomendo você entrar em contato com um grande amigo meu:
Sidclay Calaça Dias
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/4565244983318411
E-mail: pachistopelma@hotmail.com
É isso aí!
Abraço e bons estudos com os aracnídeos!
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