Qual o objetivo da vida?
Quando eu era um adolescente ordinário, passei muito tempo procurando uma resposta para essa pergunta. Pensava que seria uma resposta tão complicada, que eu deveria ler e estudar muito por toda uma vida. Nas décadas que se passaram após a adolescência, em meio a minha pesquisa com a natureza compreendi processos evolutivos, deparei-me com fatos ecológicos, presenciei e manipulei em minhas mãos muita vida e muita morte. Ainda hoje me assusto com a simplicidade da resposta que encontrei.
Primeiro, surpreenda-se... não citarei um artigo científico, ou uma obra filosófica clássica, mas um trecho de uma carta:
"Enquanto estava ali sentado, a um passo de distância vi um coleóptero caído de pernas para cima, desesperado, não conseguia endireitar-se, gostaria de tê-lo ajudado, era tão fácil ajudá-lo um pouquinho, mas sua carta fez-me esquecer o inseto, além do mais não podia erguer-me, até que uma lagartixa obrigou-me a prestar outra vez atenção à vida circundante; dirigia-se para o besouro, que já estava imóvel; não havia sido então um mero acidente, pensei, porém uma agonia mortal, o pouco freqüente espetáculo da morte natural de um animal; mas ao passar com rapidez a lagartixa sobre ele permitiu-lhe endireitar-se; ficou um momentinho quieto como morto e depois se precipitou – como se fosse a coisa mais natural – e subiu pela parede da casa. De algum modo isto me infundiu um pouco de ânimo a mim também; ergui-me, bebi leite e comecei a escrever-lhe.” (Franz Kafka, 1920 – Cartas a Milena)
A vida é expressão animada e consciente da matéria. O objetivo da vida é ela própria. Da persistência do coleóptero de Kafka até o caminhar lento da velha coxa em "A Náusea" de Sartre.
Por que nós humanos existimos?
Posso arriscar uma resposta para além de meu tempo: existimos porque é propriedade da matéria gerar consciência acurada de si própria.
Isso não quer dizer que o universo estava grávido do ser humano desde sua origem. Mas, que a matéria combinar-se-á no tempo e espaço de tal forma a experimentar a si própria, interpretar seus sinais, viver em miríades de seres conectados para a compreensão de si mesma.
Também não confunda o sentido da existência física da matéria com algum designo divino e pessoal. Apenas nós humanos temos uma percepção falha de que a vida se manifesta sem matéria. Já escrevi aqui neste Blog (clique: "Olhos Pleistocênicos") que os dados da neurofisiologia mostram que nosso cérebro não pode compreender o “não-existir”, porque esse órgão e nosso corpo simplesmente existem. Um cérebro morto não funciona, ou seja, a morte não pode ser uma experiência de um corpo vivo! Concordo também com os neurologistas que afirmam ser a projeção de vida pós-morte e crença em deuses, resultado do crescimento da cognição fisiológica de nosso corpo (cérebro). Acreditar em deuses e ter fé é algo anatômico e neurofisiológico. Isso é necessário para dar uma lógica em um órgão que passou a compreender que vai morrer, sem nunca ter passado por essa experiência. O cérebro vivo conhece seu destino de não mais sentir nada, por isso não “morremos”, como é de comum entendimento, o mais correto é “cessamos de existir”.
Hoje sabemos até que temos defesas neurofisiológicas para atenuar o terror desse momento. No cessar de nossa existência, quando o oxigênio faltar no cérebro, haverá descargas maciças de endorfinas que nos darão a sensação de paz e alucinações agradáveis (veremos entes queridos, teremos até a impressão de voar). Por outro lado, a região da visão ficará tão excitada que teremos a sensação de ver uma luz... voaremos para ela! “Vá para luz Caroline*!”
Depois da luz... escuridão e não mais existir na forma de indivíduo.
Se há terror nisso é o terror da matéria viva voltando a ser o que era: poeira das estrelas. Nós somos muito mais sensíveis a isso, por causa de nosso amor próprio e apego a nossa individualidade. Não suportamos a idéia de que não mais estaremos aqui entre a beleza da vida e pessoas amadas.
Se queres um consolo, saiba que a morte não é para todos os grupos de seres vivos. Vírus, bactérias e muitos protozoários são fisicamente eternos. Nós e o ambiente podemos destruí-los, mas eles por si só não definham e morrem. Se há ambiente favorável e alimento contínuos, permanecerão lá, vivos pela eternidade.
Morte é uma característica de nós seres pluricelulares sexuados!!! A origem dos Metazoa (pluricelulares com tecidos verdadeiros) e do sexo são, pois, a origem do ciclo entre vida e morte neste planeta.
Estamos estudando a genética e fisiologia por trás desse fenômeno para entender porque bactérias são eternas e nós não. Um dia, quem sabe, poderemos viver livres do “não-existir”... Hoje continuamos entre “O Ser e o Nada” de Sartre.
Há aqueles que apostam que criaremos um novo tipo de vida inteligente através da pesquisa com robôs e inteligência artificial. Robôs com “personalidade” seriam eternos com necessidades energéticas independentes dos ecossistemas da Terra. Minerais e energia para seu funcionamento e reposição de suas partes poderiam ser extraídos em outros planetas.
Essa nova vida da matéria guardaria na lembrança toda a poesia, música e sentimentos dos deuses humanos que os criaram. Primatas que sucumbiram junto com seus ecossistemas na morte da Terra**.
O que é o universo?
O universo simplesmente é!
Temos limitações evolutivas em nossas mentes para buscarmos na atualidade o conhecimento completo do absurdo que é o universo. Somos parte dele, mas o universo não é apenas o ser humano, não possui objetivos humanos, mas sim bilhões e bilhões de sóis indiferentes***.
Nunca confunda uma teoria da Física para descrição do universo e suas propriedades com a existência do universo. O universo é!
Se ele continuará em expansão, ou haverá o “big crunch”, ou se estabilizará, se ele é inflacionário, o que é a matéria escura, se existem universos paralelos... são questões da Física Moderna. O universo continua aqui entre nós. Ele é!
Como bem escreveu Nietzsche “o valor da vida não pode ser avaliado”. Para o advento da vida são necessárias condições planetárias muito especiais. Quando ela surge pela transformação da matéria, gera por autopoiese uma grande e complexa rede ecológica de seres vivos que parece um colosso visto do cume de uma montanha, embora frágil e delicada vista do espaço.
Reflexões sobre a beleza da matéria
Estar vivo, mesmo momentâneo e breve que seja, é tão especial que há comandos genéticos em todos os seres vivos para que eles se auto-preservem, lutem contra à morte até o fim de suas forças... Como vimos no besouro de Kafka e nas folhas que o outono leva ao chão****.
Para quem leu um pouco sobre religiões, o que está escrito aqui é muito similar ao Taoísmo e Budismo. Desapegar-se de si no momento da morte é reconhecer que nossos corpos (carbono, nitrogênio, fósforo, etc.) voltarão a se transformar em matéria não-viva, integrarão novamente o Todo (Taoísmo). Nesse sentido, o não-existir da matéria não-viva é muito semelhante ao Nirvana (Budismo)... e o Todo é Tao, é Deus, é a matéria, é o universo!
A matéria viva possui beleza e encanto, múltiplas formas de existir e interagir com a matéria inanimada. Mas esta última é absoluta, e possui características tão sublimes que não há beleza humana viva que se compare a simplicidade e perfeição de um jato de água.
Um dia deixaremos de ser nós mesmos, nesse não-existir da individualidade nossas partes transformadas se encontrarão em rios, nuvens e cometas.
Seremos novamente um só... na beleza da matéria!
Para quem leu um pouco sobre religiões, o que está escrito aqui é muito similar ao Taoísmo e Budismo. Desapegar-se de si no momento da morte é reconhecer que nossos corpos (carbono, nitrogênio, fósforo, etc.) voltarão a se transformar em matéria não-viva, integrarão novamente o Todo (Taoísmo). Nesse sentido, o não-existir da matéria não-viva é muito semelhante ao Nirvana (Budismo)... e o Todo é Tao, é Deus, é a matéria, é o universo!
A matéria viva possui beleza e encanto, múltiplas formas de existir e interagir com a matéria inanimada. Mas esta última é absoluta, e possui características tão sublimes que não há beleza humana viva que se compare a simplicidade e perfeição de um jato de água.
Um dia deixaremos de ser nós mesmos, nesse não-existir da individualidade nossas partes transformadas se encontrarão em rios, nuvens e cometas.
Seremos novamente um só... na beleza da matéria!
(*) Frase clássica do filme "Poltergeist" (Steven Spielberg e Tobe Hooper, 1982)
(**) Mesmo que conservássemos tudo com perfeição, nosso Sol irá se tornar uma supernova e devastará a vida deste sistema planetário.
(***) Citação à música "Indifferent Suns" da banda Dark Tranquillity.
(****) Letra da música "Exército de um homem só" dos Engenheiros do Hawaii.
2 comentários:
Texto pesado. Nem meus livros de filosofia me deram tamanha martelada como esse seu texto. Cada linha do texto é uma martelada na bigorna cerebral.
Cara, esse texto merece um livro! Sei que vai ser um sucesso. Vai chocar também porque será um livro que mistura ciência e filosofia.
Escrevo coisas assim, mas os meus textos giram em torno do Princípio da Termodinâmica. "A ordem a partir da desordem". É do caos que nascem as estrelas. Nem a necessidade tem a mesma pureza do acaso.
Fico feliz que tenha gostado!!!
O livro que estou organizando é um romance, não um tratado profundo sobre a matéria. Acho que isso você fará... e, claro, adorarei ler seu livro.
Se tiveres Blog, não deixe de me enviar o endereço.
Um grande abraço,
Waltécio
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